Predadores: A Obsessão - Capítulo 10

O passado de Nicolas é apresentado

Desenho monocromático. O desenho apresenta uma perspectiva de cima, mostrando Nicolas sentado na parte de baixo de uma escada dobrável. No topo direito da imagem há um vislumbre de uma corda. No topo da imagem há o número dez para indicar o capítulo.

Alguns meses antes...

A luz que entrava através das cortinas do escritório diminuía cada vez mais. O dia estava perto do fim após uma tarde inteira em frente ao notebook, digitando frases apenas para interrompê-las por um novo fluxo de pensamentos, então as apagava e recomeçava.

O alarme do celular tocou sinalizando que eram duas e meia da tarde. Fechou o documento de texto sem salvar e desligou o computador. Enquanto se levantava, teve uma percepção que agora lhe parecia tardia: era inútil deixar algo escrito, quem leria?

Saiu pela porta do escritório, chegando na sala de estar, mantida na penumbra através de persianas blecaute bem fechadas e ausente de quaisquer móveis. Nunca foi de encher a residência com decorações, preferindo uma vida frugal. Mesmo assim, nem o sofá onde apagara algumas vezes enquanto assistia seriados e filmes sobreviveu ao impulso repentino que lhe acometeu semanas atrás. Vendeu tudo que não era necessário, ficando apenas com os pertences do escritório, cama e eletrodomésticos da cozinha.

Acendeu a luz da sala e olhou para a viga grossa que atravessava o teto de um lado a outro. Sim, serviria. Foi até um canto da sala onde sua mochila estava atirada e pegou a carteira, confirmou a existência de notas de cinquenta junto dos cartões de crédito e colocou-a no bolso. Saiu do apartamento.

Voltou um tempo depois, carregando uma escada dobrável, uma corda grossa e a furadeira mais potente que a ferragem oferecia. Abriu a escada embaixo da viga e ligou a furadeira na tomada. Lembrou-se do período de silêncio no prédio, com certeza receberia uma reclamação dos vizinhos e uma advertência do síndico, talvez uma multa se ele estivesse de mau humor. Deu de ombros e começou a trabalhar.

Não levou muito tempo para que se cansasse. Mesmo com a furadeira potente era necessário esforço para atravessar o concreto. O sedentarismo que existia desde o início da vida adulta fazia seu corpo exaurir-se mais rápido do que deveria e não ajudava que passou a viver de hambúrguer, cachorro-quente e pizza quando se demitiu. Depois de muitas pausas e goles de água, conseguiu, enfim, abrir um buraco de um lado a outro.

Passou a corda pela abertura e deu um nó na ponta. Nicolas bem sabia que não era o método menos indolor, no entanto era um dos poucos que estava disposto a fazer. Sentou-se no degrau da escada e ficou olhando para a porta de saída do apartamento. Sua mente era uma revoada de pensamentos, indo de recordações eventuais até conversas que nunca teve. Deixou-se levar e fechou os olhos.

O burburinho do início da noite chegou até ele. Motos acelerando, buzinas, um ônibus freando violentamente na rua. Podia apostar que dentro do veículo, muitos passageiros estariam cansados, sustentando um olhar quase catatônico em seu rosto na volta para o lar, alguns teriam encontrado um conhecido na viagem e estariam, com sorte, sentados lado a lado, deixando as conversas do dia a dia fluírem sem rumo e sem lógica, uma distração como qualquer outra. Se tivessem azar, um pequeno grupo decidiria que a viagem era o momento ideal para compartilhar seu gosto musical em volumes audíveis além das conversas inúteis e mentes isoladas. Conhecia bem a rotina e os padrões, agora abandonados e deixados de lado, insignificantes e desagradáveis.

Foi mais longe, chegando na fronteira entre sonho e realidade. Estava em um ônibus semileito, viajando para Nova Petrópolis. A cabeça apoiada na janela via a paisagem transcorrer. Árvores e casas na beira da estrada, vacas e ovelhas, postes de luz e placas de trânsito. Passavam cada vez mais rápido, acelerando até que fossem apenas borrões. Sol e lua subiam e desciam dos céus a cada segundo. Uma mão tocou em seu ombro e Nicolas tirou os olhos da rua. Ao seu lado, um rosto esquecido, borrado e morto lhe observava.

— Nos veremos em breve.

Seu celular bipou. Abriu os olhos e o checou. A tela dizia apenas que ele ganhou um cupom na compra do próximo jantar. Cinco reais de desconto. Levantou-se, não haveria nova refeição.

Subiu todos os degraus, passou a cabeça pela corda e empurrou a escada com o pé. O pescoço não quebrou. Nicolas resistiu por um centésimo de segundo que pareceu infinito, mas acabou levando as mãos até a corda, tentando se soltar. O último esforço de um corpo com mente derrotada. Não conseguiu, tinha pesquisado durante dias a melhor forma de fazer o nó. Nada de voltar atrás. No desespero, arranhou a corda e o pescoço. As unhas arrebentaram e sangraram, dificultando ainda mais a inútil tarefa de escape. Tentou puxar ar. Tentou viver.

Falhou.

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