- Guilherme Lopes Lacerda
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Predadores: A Obsessão - Capítulo 17
Bárbara decide investigar o estranho culto da justiça
No último capítulo, vimos Fernando se abrindo para Gabriel, contando sobre os predadores e também presenciando um deles no farol.
Voltamos para Bárbara, que decidiu investigar o estranho culto que distribuía panfletos próximo a seu local de trabalho.

Quando ouviu o interfone tocar, soube que estava um pouco atrasada. Bem, um pouco não, bastante. Tudo culpa dos compilados de videologs de motoqueiros e entregadores no Youtube, uma boa forma de relaxar e passar o tempo, atividade que executou com primor e, neste caso, em excesso.
Atendeu o interfone e apertou o botão para que Igor entrasse no prédio e, pouco tempo depois, abriu a porta para o amigo. Ele cumprimentou-a e entrou no apartamento, as roupas formais do trabalho foram trocadas por algo mais casual e parecido com seu estilo antigo: calça jeans, um tênis meio surrado e uma camisa colorida com estampas que ninguém prestava atenção. O homem olhou a sala bagunçada, não havia muito o que fazer, a arrumação era só no dia seguinte, e então olhou para Bárbara.
— Tu vai no culto assim? — perguntou ele.
— Algum problema com meu estilo? — Seu tom de voz ganhou apenas uma nota de hostilidade.
— Não, claro que não. — Igor desviou o olhar dela por um momento. — É só que são roupas para outra… atividade, tipo dormir confortavelmente na cama.
Os dois abriram um leve sorriso.
— Claro que não vou assim, ô palhaço. — Ela fitou a sala. — Pode sentar onde quiser, por ali é a cozinha se quiser pegar uma água e lá é o banheiro. Espera aí que vou me trocar.
Dito isso, disparou para o quarto e fechou a porta. Tirou as roupas de pijama e trocou por seu kit básico, só não vestiu a jaqueta porque estava um dia quente e preferia não ficar suando no meio de um culto. Uma pena, adorava a peça, mas conforto e estilo não raramente andam lado a lado.
Saiu do quarto e encontrou Igor sentado na ponta do sofá, o mais afastado possível das roupas jogadas pelo móvel, e olhando algo no celular.
— Vamos logo, enrolão.
Ele virou o rosto para Bárbara.
— Enrolão? Eu? Quem se atrasou mesmo?
— Vamos!
Os dois saíram do apartamento e desceram os quatro andares com passos rápidos. Chegando na frente do prédio, Bárbara começou a rumar em direção à garagem, porém Igor ficou para trás.
— Aonde tu vai? — perguntou ele.
— Pegar minha moto ué.
— Melhor ir de Uber, vai que os malucos do culto anotam a placa e pesquisam tua vida a partir disso?
— Desse jeito parece que eles são os Illuminati.
— Ficaria surpresa com o quanto de informação se consegue com os contatos certos, não precisa nem fazer parte de organização secreta.
— Não exagera…
— Olha, já vi coisa pior. — Ele respirou fundo. — E foi tu quem me chamou, vai ignorar meus conselhos agora?
— Certo, vamos de Uber então.
Bárbara inseriu no aplicativo o endereço que Elisa lhe passara dias antes. Por sorte, a corrida não saiu muito cara e cinco minutos depois um Up! branco parou perto deles. Entraram no carro, cumprimentando o motorista, que parecia mais jovem que Bárbara, e seguiram viagem. Nem um minuto havia se passado quando o homem falou:
— Ontem mesmo peguei uma passageira aqui. Foi bem triste, o filho dela tinha desaparecido fazia uma semana e ela estava desesperada.
Bárbara olhou da janela para o motorista. Não lembrava de ter ouvido de ninguém desaparecer nas proximidades. Sabia muito bem que a culpa desses desaparecimentos era dos predadores, mas para as pessoas normais devia ser muito pior, não tinham ideia do que estava acontecendo e de quem poderia ajudá-los. Os sequestrados só ganhavam nome e rosto após muita comoção familiar ou da comunidade, recebendo alguns minutos de exposição em uma rádio, jornal ou televisão local, e mesmo assim perdiam suas identidades com o passar dos dias. De autoridades, seja policial ou governamental, não havia nenhuma ação proativa para encontrá-los, e Bárbara duvidava que, mesmo havendo, funcionasse.
— Ele desapareceu do nada? — perguntou Igor.
— Tipo isso. Parece que estava na sua rotina normal e um dia sumiu. — O motorista estalou a língua. — Senti pena dela.
— Já ouvi dizer que é uma organização criminal nova por aí, tentando impor ordem.
— Bah, e para isso eles atacam gente inocente no estado inteiro? Faz sentido nenhum.
— Talvez seja um culto então? Acho que faz mais sentido.
— É… faz mesmo, essa gente não tem deus no coração.
— Podemos não falar disso? — interrompeu Bárbara, ríspida.
O motorista se empertigou no assento, aumentou o volume do rádio e ficou em silêncio. O resto da viagem transcorreu sem nenhuma palavra. Bárbara agradeceu por isso, ouvir sobre o assunto apenas lembrava-a que havia uma forma de combater os desaparecimentos, porém, ninguém no grupo estava tomando iniciativa, Nicolas mesmo não mandara mensagem alguma. A última fora de Fernando alegando ter visto algo no farol, mas no dia seguinte mandou um pedido de desculpas dizendo que devia ter sido apenas um momento de estresse. No fim, cada um tinha seus próprios problemas para lidar.
Chegaram ao local do culto, um terreno aberto com um salão ocupando todo o lado direito, com o outro servindo de estacionamento. Pela quantidade de carros e motos, o evento estava lotado. Nenhum dos veículos parecia muito novo ou caro, eram modelos populares. O salão era quadrado e praticamente sem aberturas, com exceção de algumas janelas basculantes na parte superior. A entrada nele se dava por uma porta dupla de metal, onde havia um homem para receber os participantes, apesar de que ninguém mais estava chegando no momento.
Aproximaram-se e viram o interior do salão repleto de pessoas, todas sentadas em cadeiras de plástico e organizadas em fileiras. Não havia nenhum símbolo religioso no local, com exceção de um estandarte no fundo mostrando a balança e o homem. Bárbara viu o local onde Elisa estava sentada e notou duas cadeiras desocupadas ao lado. Cutucou Igor no ombro e seguiram até a mulher. Apenas uma minoria de pessoas utilizava as batas brancas, deviam ser apenas os mais fervorosos. O padre, ou o equivalente disso, falava enquanto iam até Elisa, mas Bárbara acabou não prestando atenção nas palavras dele. Ao se sentarem, a mulher abriu-lhes um sorriso receptivo. Bárbara começou a prestar atenção no discurso.
— … e cada vez mais as injustiças do mundo vêm à tona. Nossos noticiários e jornais pingam sangue e maldade. Amigos traindo uns aos outros por mesquinharias, familiares se matando por trocados de herança, governantes traindo seu povo pela simples sensação orgásmica que o poder lhes traz. — Seus olhos vagaram pela plateia. — Hoje mesmo eu vi uma matéria sobre escolas caindo aos pedaços enquanto o governador se banha em lazeres e privilégios.
“Isso não acontece por vontade divina ou ciclo cármico, justamente o contrário, foi por dependermos tanto destes escapismos místicos que chegamos nesse ponto. Não existe inferno para punir os tais pecadores, tampouco existe reencarnação para que passem pelo sofrimento que infringiram. Temos somente uma vida e é nela que precisamos fazer justiça, precisamos zelar por ela.
“Sei que vocês, a maioria, não são boas pessoas, ninguém é realmente uma boa pessoa, mas também não é minha função vir aqui para repreendê-los e puni-los. Os erros pertencem a vocês e apenas a reflexão os fará corrigi-los”.
O discurso se alongou um pouco mais. O homem manteve o assunto durante boa parte do tempo, citando como as pessoas deviam refletir sobre seus erros e evitá-los. Em dado momento, comentou sobre rostos novos e disse que ficou feliz de ver a comunidade crescendo. Por fim, se aproximou de alguém na ponta esquerda da primeira fileira e sussurrou algo. Esta pessoa fez o mesmo com aquele que estava a seu lado, e assim por diante até chegar em Elisa, que recebeu as palavras e as repassou.
— Faça justiça e tenha uma vida justa.
Bárbara olhou para Igor. Ele estava pálido e segurava o braço da cadeira com força. Quis perguntar se o amigo estava bem, mas achou melhor repassar as palavras para não causarem tumulto. Ele fez o mesmo sem esboçar qualquer reação.
— Tudo bem aí? — perguntou Bárbara.
— Não, não gosto nada daqui. — Ele cruzou os braços. — Será que termina logo?
As palavras passaram por todos os membros do culto e então, para o alívio de Bárbara, a reunião foi encerrada. Pessoas se levantaram e saíram sem pressa.
— Quer falar com o orador? — perguntou Elisa. — Ele gosta de conversar com novos membros.
Bárbara não lembrava de ter dito que se juntaria a eles, apenas que estava curiosa. Mesmo assim, aceitou o convite. Esperaram o salão quase esvaziar, e então Elisa a levou até o orador.
— Estes são Bárbara e Igor. Os dois estão interessados em se juntar a nós — disse ela.
— Que ótimo! — O homem sorriu. — Me traz alegria ver que nosso trabalho continua angariando novos integrantes.
— É, eu achei a cerimônia bem… diferente — disse Bárbara, desconfortável. — Quem teve a ideia de fundar o culto com esses ideais? Foi tu?
— Não, não. — Ele balançou a mão. — Nosso fundador nem está aqui hoje. A comunidade cresceu mais rápido do que Magno esperava e agora fica visitando as diferentes congregações.
— Mas ele nunca aparece?
— Uma vez por mês mais ou menos.
Igor deu um leve puxão na manga de Bárbara e, ao encarar o colega, viu que ele sinalizava para a saída com os olhos.
— Sinto muito, precisamos ir agora. — Ela se virou de lado. — O dia está meio corrido hoje, mas vou vir no próximo encontro na…
— Semana que vem — completou Elisa. — Sábado também.
— Isso. Até mais.
Virou-se e seguiu junto de um Igor apressado até a saída. No trajeto, viu um grupo de cinco homens conversando em um canto. Todos se encaixariam melhor como seguranças de boate do que ajudantes ou membros do culto. Um deles a encarou e, mesmo que quisesse devolver o olhar, foi impedida por um puxão no cotovelo dado pelo amigo. Saíram do local e afastaram-se umas duas quadras antes de Bárbara parar subitamente.
— Vai me dizer o que foi agora?
— Não gostei nada daquele lugar! — Igor se virou para ela.
— Qual é? Foi tão ruim assim?
— Claro que foi! — Igor olhou os arredores por um segundo. — Aquele discurso de justiça e sei lá o que não me engana! Esses caras são tudo menos justos.
— Calma! Me diz, o que teve de tão ruim?
— O padre, ou orador, ou sei lá o que. Algo nele não me agrada. O discurso parece moderado, mas eu tenho certeza de que isso é fachada para manter os curiosos como a gente por ali. Certo que ele tem uma pregação mais radical quando estão só os iniciados.
— Acho que tu viu conspiração onde não tem.
— Eu não vou voltar mais aqui, e recomendo que tu também não.
— Eu queria descobrir mais algumas coisas…
— Tu vai morrer antes de descobrir — disse ele, em tom de aviso.
— Como assim? — Bárbara franziu o cenho.
— Os caras no canto, aqueles que resolveu encarar. Notou algo estranho?
Pensou por um segundo. Lembrava que eles eram grandes e provavelmente musculosos. Tinha mais um detalhe só.
— Usavam várias camadas de roupa?
— Coletes à prova de bala.
— O quê? Não! Como sabe disso?
— Estou deduzindo, enquanto tu prestava atenção no orador eu olhei eles. E pelo menos dois estavam armados. — Igor respirou fundo e colocou as mãos no ombro de Bárbara. — Não se meta mais nisso. Eu sei que perdeu um amigo, mas não vale a pena. Vai ser pior para ti no fim.
— Como sabe disso?
— Eu… Olha, eu sei! Confia em mim?
— Confio.
E acreditava mesmo. Porém a curiosidade era grande, e cada vez mais aquele culto se tornava suspeito. Ficaria distante deles pelas próximas semanas, mas assim que soubesse que o tal Magno estaria em uma reunião, iria ver o cara. Não tinha como ser coincidência que membros de um culto novo fossem parar em um território, ainda mais com a suspeita de que havia envolvimento de armas. Talvez pudesse pedir ajuda dos outros, mas será que alguém responderia?
Como seria bom ter seus poderes no mundo real, poderia encarar qualquer perigo sem ter medo pela sua vida. Fazer o que nunca faria em outras situações.
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