Predadores: A Obsessão - Capítulo 18

Igor desaparece após investigar o culto com Bárbara

No último capítulo, Bárbara e Igor investigaram um culto que pregava a justiça como sendo a salvação de todos, porém descobriram que eles não eram tão amigáveis quanto pareciam.

Agora, alguns dias depois da investigação, Bárbara tenta contato com Igor, porém não o encontra nem no trabalho nem em casa.

Desenho monocromático. O desenho mostra uma visão parcial de uma sala de estar. No lado direito conseguimos ver uma parte de um rack com uma televisão em cima e dois bonecos, Alphonse de Full Metal Alchemist e Rei de Evangelion, ao lado da televisão. No centro da imagem há uma porta branca de hospital que não combina com o restante do cômodo. Ela possui um prontuário na frente e está fechada. No lado superior direito há o número dezoito para indicar o capítulo.

O domingo foi repleto de ansiedade. Bárbara tinha muito a pensar e pouco a fazer. Seu corpo precisava estar em movimento, precisava de algo que a distraísse ou ficaria matutando sobre o culto até ter dores de cabeça. Não à toa botou o pé na estrada e viajou para longe da capital. Só o fato de ter que prestar atenção na rodovia afastava-a dos pensamentos. E quando sentia que estava tudo calmo demais, acelerava para muito além do limite de velocidade. Era perigoso, sabia disso mais que qualquer um, porém não cometeria o mesmo erro duas vezes. Quando voltou para casa, perto da madrugada, estava tão cansada que o simples fato de pensar em tirar a roupa e tomar banho já exauriu seus neurônios.

A semana começou com qualquer outra e, pela primeira vez em muito tempo, Bárbara agradeceu a carga de trabalho. Se jogou nas tarefas e focou sua mente nelas. Estava tão distraída e evitando qualquer assunto sobre o culto que foi só na quarta-feira que notou não ver Igor nos dias anteriores.

No fim do dia, mandou-lhe uma mensagem, que permaneceu sem ser visualizada, ou sequer entregue, até a manhã seguinte. Fez então o que ninguém mais gostava de fazer. A chamada para o amigo nem chegou a completar, estava desligado ou fora da área de cobertura. Uma paranoia ardeu, mas Bárbara a conteve. Tentou outras vezes ao longo da quinta, mas o resultado foi o mesmo.

Quando perguntou para alguém do setor administrativo se tinham visto Igor, responderam que não, inclusive fizeram a ela mesma pergunta. Não aparecia ou mandava justificativas desde segunda. A paranoia, antes contida, se alastrou pela mente de Bárbara, incendiando qualquer outro pensamento.

Fuçou nas redes sociais e encontrou o pai e a irmã do amigo. Mandou mensagem para os dois e aguardou por uma resposta. Foi o dia mais longo que tivera nos últimos tempos, e um dos mais tensos. Só obteve retorno de noite, mas nem isso serviu para acalmar-lhe os nervos. A irmã respondeu que estava preocupada, que tentou contato com Igor logo após visualizar a mensagem e também não conseguiu. Bárbara não esperou por mais tentativas dos familiares, foi até a delegacia e preencheu um boletim de ocorrência. Quando questionou sobre o início das investigações, recebeu um olhar cansado do brigadiano.

— Temos outros desaparecimentos na frente, mas vamos averiguar assim que possível.

O coração a mil fez a semana se alongar. Todo dia ligava para a delegacia recebia a mesma resposta: Estavam investigando. Todo dia também respondia a mesma coisa para a irmã de Igor, que estava a centenas de quilômetros de distância da capital, em uma cidade próxima da fronteira com o Uruguai. Dormir se tornou muito mais difícil e nem os passeios de moto serviam para lhe acalmar. A preocupação tomou conta enquanto passava seus dias checando o celular em busca de alguma mensagem, fosse de Igor, da irmã ou de algum policial. Nunca foi alguém capaz de ficar muito tempo sem fazer nada, e os sentimentos contidos estavam prestes a estourar. Antes que enlouquecesse mandou mensagem para Fernando:


Bárbara

Oi. Podemos conversar? Surgiu uma situação e preciso da ajuda de alguém

Desculpa vir do nada

Um amigo desapareceu


Mais uma vez, esperou. Próximo das dez da noite recebeu retorno:


Fernando

Passa aqui amanhã de noite para falarmos


O padeiro anexou na conversa a localização de sua casa. Bárbara suspirou de alívio, ainda que não soubesse no que pedir ajuda. Dormiu um pouco melhor, e no dia seguinte foi para o escritório com a moto. O expediente passou de arrasto, com cada minuto mais lento que o anterior. Maurício devia estar feliz com a produtividade dela, já que seu único método para finalizar o dia rápido era cair de cabeça no trabalho. Em outros tempos, reclamaria da falta de aumento, mas a situação mudara.

Um segundo antes de acabar o expediente, Bárbara já estava ao lado do relógio de ponto. Marcou a saída, foi até a Kawasaki no estacionamento e navegou pelo trânsito caótico do horário de pico com destreza e velocidade. Chegou na casa de Fernando antes do que o GPS previra.

Desceu da moto, bateu palmas e gritou pelo nome de Fernando. A casa dele era pequena, uma grade de metal com uma porta protegia o lado esquerdo da casa, já no direito se iniciava uma garagem fechada. Não muito tempo depois que chamou, o anfitrião abriu o portão de metal da garagem, revelando um cômodo bagunçado e com uma motocicleta um tanto surrada no meio. Fernando tinha o rosto meio inchado e as pálpebras semifechadas. Bocejou e disse:

— Tem campainha, sabia?

— Nem vi.

Bárbara entrou na garagem com sua moto, deixando-a próxima da saída. Ferramentas e caixas ocupavam boa parte do local, além de cacarecos que só quem é dono sabe para que servem.

— Tá tudo bem? — perguntou Fernando, mas não obteve resposta.

Saíram por uma porta e adentraram a sala de estar, onde havia um homem sentado. Seus cabelos pretos e lisos criavam uma franja que parecia tapar parte da visão por alguns centímetros. Por detrás dos fios, globos oculares de um azul bem claro a observavam e percorriam seu corpo, em uma similaridade bizarra com a forma que Nicolas olhava para qualquer um. No entanto, o efeito quebrou-se quando notou suas vestimentas, uma camiseta preta, velha e larga com estampa do Bart Simpson, uma bermuda verde-musgo com palmeiras e o chinelo de dedos.

A descrição que Fernando dera de seu namorado — amigável e bem-humorado — era diferente do que Bárbara presenciava. Apenas o reconheceu pela tatuagem de enguia na perna direita.

— Quer chá? — perguntou Fernando. E, quando Bárbara assentiu, continuou. — Vou lá fazer, fica ali na sala. Sinta-se em casa.

Bárbara não queria ficar na sala, tampouco se sentia em casa com o olhar de Gabriel, mas obedeceu. Cumprimentaram-se sem muita empolgação e aguardaram. Foram alguns minutos desconfortáveis, por sorte a televisão ligada trazia a desculpa perfeita para não precisar olhar em outra direção. Estar pela primeira na casa de alguém sempre era estranho.

Fernando voltou carregando habilmente três xícaras nas mãos, duas de chá, que entregou para os dois e uma de café. Ele desligou a televisão e ficou em pé na frente da tela, olhando para Bárbara enquanto sorvia um gole.

— O que aconteceu?

Ela não respondeu, em vez disso, fitou Gabriel.

— É mesmo, não falei né? Gabi já sabe.

Aquilo era surpreendente. Da forma que Fernando falava antes, parecia que nunca contaria para seu namorado sobre os predadores.

— Algum problema com isso? — perguntou Gabriel à Bárbara.

— Não né — respondeu ela, navegando entre surpresa e uma pitada de raiva. — Eu apenas não esperava.

— Gente, sem brigas — disse Fernando. — Eu queria dormir, mas estou aqui, acordado. Bárbara tem um problema e vamos ao que importa.

Resumiu a situação aos dois. Contou do culto estranho que encontrou e como as vestimentas de alguns eram muito parecidas com as dos homens que encontraram no último território. Isso quebrou a máscara de cansaço que estava sobre Fernando desde que chegara, e ele empalideceu. Bárbara continuou, dizendo que foram a um evento e, segundo Igor apenas, haviam pessoas com coletes balísticos e armas. Em seguida falou do desaparecimento, mencionou as diversas tentativas de entrar em contato, fosse de forma direta e indireta. Quando terminou de falar, toda a expressão de sono em Fernando sumira. Ele finalizou sua xícara de café com um último gole e perguntou:

— E tu não foi atrás dos cultistas?

— Eu não me arrisco com maluco religioso armado.

— Sensata — disse Gabriel. — Mas e Igor? Será que ele foi de novo?

— Não. — Bárbara baixou os olhos para sua xícara de chá, ainda cheia. — Ele estava com medo.

— Talvez tenha sido justamente isso que o fez ir atrás dos caras. — Fernando colocou a xícara no balcão da televisão.

— Inclusive, tem como ajudarmos com isso? — perguntou Gabriel. — O certo seria esperar alguma solução da polícia.

— Eu tentei. — Apertou a chávena e curvou seu corpo para frente. — Mas quantos desaparecimentos relatados são resolvidos? Eu não posso ficar sentada esperando, ainda mais que eu o arrastei para isso! Isso é culpa minha!

— Calma. Respira — disse Gabriel.

— Para mim ela está calma demais. — Fernando olhava para Gabriel. — Não sei o que faria se tu sumisse.

— Mas se exaltar aqui não vai adiantar de nada — respondeu Gabriel.

— Onde ele mora? — perguntou Fernando.

— Um condomínio. — Bárbara se esforçou para manter a voz nivelada. — Passei na frente dele essa semana.

— E por que não tentamos entrar lá?

— Porque seria um crime? — Gabriel arregalou os olhos. — Não dá para sair entrando na casa dos outros.

— Tem razão. — Fernando deu de ombros. — Mas não é invasão se deixarem a gente entrar. Podemos tentar falar com o síndico, ele vai nos ouvir.

Era um plano, um meio xoxo, mas era melhor que Bárbara dispunha no momento. Os três combinaram de se encontrar no domingo pela manhã em frente ao condomínio.

Os dias seguintes não se arrastaram, e sim rastejaram. A noite de sábado foi marcada por uma dificuldade enorme em deitar, dormir então estava fora de questão. Só pregou os olhos no alto da madrugada, quando todas as postagens de todos os perfis que Bárbara seguia em todas as redes sociais haviam sido lidas. Acordou menos grogue do que esperava, correu para se arrumar e saiu de casa.

Encontrou o casal esperando por ela na rua do condomínio, em frente ao bloco de número 1567. Começaram o trabalho, abordando da forma mais amigável possível as pessoas que saíam do local, pedindo pelo número do apartamento do síndico. Foi uma tarefa desgastante, a maioria das pessoas era desconfiada e desconversava, dizendo que em breve o síndico aparecia por ali ou então que não sabiam onde morava. A salvação deles foi um homem forte e alto saindo para passear com seu cachorro linguicinha rechonchudo. Era uma estranha dupla, mas o fortão foi amigável o suficiente para ouvi-los e ajudá-los.

Fernando conversou com o síndico no interfone e, após um falatório explicativo e algumas súplicas, convenceu-o a deixá-los entrar. Minutos depois o síndico abria o portão e acompanhava-os até o quinto andar, onde se depararam com uma folha A4 presa abaixo do olho mágico com os dizeres “Não entrar”. Ele destrancou as fechaduras auxiliares na parte de cima e de baixo da porta e a abriu.

— Podem dar uma olhada, mas tentem não mexer nas coisas, a polícia teve aqui e pediu para não mover os objetos.

O grupo entrou no apartamento, dando de cara com uma sala cheia de decorações. A televisão era rodeada por miniaturas de personagens de diversos desenhos e jogos, cinco quadros com pinturas de animais estavam pelas paredes e um relógio com pássaros ao lado das horas tiquetaqueava incessantemente.

Uma inquietação tomou conta de Bárbara ao pisar na sala. Algo não estava certo. Ela e Fernando moveram-se ao mesmo tempo pelo apartamento. Seu coração acelerou com uma possibilidade que estava mais do que óbvia, porém ignorada em todas as palavras que Bárbara proferira até o momento. Atravessaram um corredor curto e chegaram no quarto. Ela não prestou atenção em móveis, paredes, ou eletrônicos que estavam pelo local. Sentiu apenas uma sensação familiar, quase impossível de descrever para as demais pessoas, um nojo e repulsa repentinos, agonizantes agora que entravam em um contexto diferente. Estavam próximos de um predador.

Cerrou o maxilar com força, seus punhos doeram de tanto apertar. Estava prestes a socar algo e, só não o fez, porque sentiu a mão de Fernando em seu ombro. Ela virou-se para o homem, já levantando o punho para caso ele lhe pedisse calma. Seus olhos estavam foscos e até mesmo o aperto no ombro estava fraco. Tudo que ele disse foi:

— Vamos chamar os outros.

Reply

or to participate.