- Guilherme Lopes Lacerda
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Predadores: A Obsessão - Capítulo 19
Dominique se reúne com os demais e, juntos, adentram o território que capturou Igor
No último capítulo, Bárbara, Fernando e Gabriel tentaram descobrir o paradeiro de Igor. Após conseguirem entrar no apartamento do rapaz, descobriram que ele foi vítima de um predador.
Agora, Dominique é convocada a se reunir com o grupo mais uma vez, em uma missão para entrar no território do predador e resgatar Igor.

Um domingo em família assistindo a programação da televisão aberta. Em outros tempos, talvez Dominique até se animasse com a ideia. Ultimamente, porém, nada a divertia. Estava de volta ao seu humor carrancudo de antes, quando apenas aguardava a morte chegar. Seu único momento de alívio era logo antes de dormir, quando podia ir ao farol dar uma caminhada, e mesmo assim hesitava em fazê-lo na maioria dos dias com receio de encontrar alguém por lá. As visitas diminuíram ainda mais após a mensagem de Fernando sobre um possível predador no local.
Estava distraída com a televisão, deixando os pensamentos vagarem enquanto filho, nora e netos conversavam. Seu celular vibrou. Dominique, no entanto, nem olhou a mensagem, preferindo assistir a “matéria” sobre as fofocas do reality show que passava no canal. Mais notificações chegaram.
— Grupo tá bombando aí, vó? — disse Felipe, o mais velho dos netos.
— Deve ser alguma bobagem — respondeu Dominique.
Como que silenciava essas porcarias mesmo? Desbloqueou o aparelho e notou de qual grupo vinham os avisos. Segurou o celular com mais firmeza enquanto lia o conteúdo das mensagens. Nelas, Bárbara explicava que um amigo seu sumira de um dia para o outro e, quando foi ao seu apartamento procurar por ele, sentiu que fora levado por predadores. Fernando corroborou a história.
Releu o texto e notou que Nicolas digitava algo. Aguardou alguns segundos e veio a frase que fez seu coração palpitar, trazendo aos músculos uma eletricidade que não sentia há semanas.
Nicolas
Todos podem vir ao farol hoje?
Logo Bárbara e Fernando disseram que sim. Faltava ela. Pensou na forma que os deixara, imatura e burra. Coisa de adolescente. Será que a aturariam? Não, sem negatividade. Nicolas era metódico e se fosse algum empecilho ao grupo teria a expulsado antes. Sim, era bem-vinda, e era útil.
Dominique
Também posso
Combinaram um horário durante a noite e tudo que restou para Dominique foi aguardar. Não conseguia mais prestar atenção à televisão, preferiu se distrair com a conversa da família. Quando a hora chegou, já estava na cama.
Chegaram ao farol quase ao mesmo tempo, nem sequer tiveram a chance de se cumprimentarem antes que Nicolas falasse:
— Bárbara, você tem uma foto do seu amigo?
— Sim. — Mesmo diante da pergunta repentina, Bárbara não hesitou. Pegou o celular e mostrou uma foto de Igor aos demais.
— Nosso objetivo dessa vez será percorrer o território até encontrá-lo.
— E como vamos descobrir onde ele foi parar? — Bárbara guardou o aparelho. — Não existem vários territórios possíveis?
— Sim, mas vocês dois disseram sentir um predador, certo? — Nicolas olhou de Bárbara para Fernando, os dois confirmaram e ele continuou. — Se seguirmos a sensação, vamos achar o território correto. Seu amigo estará lá.
A jovem relaxou por um segundo, fechando os olhos. Quando os abriu, porém, havia certa tensão nos ombros. Ela perguntou:
— E se não o encontrarmos?
— Então pode estar inacessível. Territórios são coisas complicadas. — Nicolas cruzou os braços. — Nesse caso, nossa melhor chance é eliminar o originador. Isso vai libertar todas as vítimas.
— Isso… não pode ser perigoso demais? — perguntou Dominique. — O último território foi…
— Terrível, sim. — Nicolas não hesitou. — Temos que avaliar isso ao avançarmos.
— Espera aí! Vamos só fugir se for difícil demais? — perguntou Bárbara, os olhos fumegantes encarando o líder.
— Não, mas precisamos saber nosso limite.
— Acho que precisamos cuidar com ilusões e coisas do tipo — disse Fernando, dando tapinhas no ombro da motoqueira. — Fomos bem no território do metrô, afinal.
— Sim. Bárbara e eu seguiremos sozinhos se for o caso.
Fernando franziu o cenho.
— Isso parece pior do que fugir.
— A alternativa é abandonar Igor. — Nicolas encarou a jovem. — Ele é seu amigo, você decide.
Logo os outros seguiram o olhar do líder. A idosa sentiu a determinação da mulher mais jovem vacilar. Era uma situação difícil. Colocar a vida de todos em risco por uma pessoa, ou abandonar um amigo? Dominique nem quis saber qual seria a sua resposta para esse dilema. Por fim, Bárbara suspirou e disse:
— Decidimos lá, se a situação apertar. Pode ser?
— Perfeito. Vamos juntar as mãos, Bárbara vai nos transportar para o apartamento. — Um frio tomou conta das pernas da idosa ao ouvir essas palavras de Nicolas. Ele olhou-a de relance. — Fernando, segure Dominique quando chegarmos.
— Espera! Como assim transportar? E que negócio é esse de segurar Dominique?
— Estamos perdendo tempo aqui, explico depois. — Nicolas olhou para Bárbara, que assentiu em concordância.
Os quatro juntaram as mãos. Estava um tanto resignada de fazer isso, pois sabia bem qual seria o resultado. Já bastava Nicolas saber, e olha que ele era uma exceção, pois nunca a tratou diferente, nunca a olhou diferente.
No segundo seguinte, o farol foi trocado por um apartamento escuro. A força que os territórios davam às pernas de Dominique se foi, o tato da cintura para baixo se perdeu e não mais estava em pé sob dois membros funcionais. Começou a desabar, muito mais velha do que se sentia um segundo atrás, porém os braços de Fernando envolveram seu tronco e mantiveram-na erguida.
— Luz! — disse Fernando.
— Tô procurando, sei lá onde ficam as tomadas aqui — grunhiu Bárbara, um pouco distante deles.
Segundos depois, a sala se iluminou. Fernando aproveitou a oportunidade para sentar Dominique no sofá. O olhar dos dois jovens estava sobre ela, tentando entender e criando teorias que levariam a conclusões apressadas. Sabia bem o que viria com as conclusões.
— Bárbara, me mostre o quarto — ordenou Nicolas.
— Mas ela…
— Estou bem — disse Dominique, forçando o bom humor. — É melhor focar no seu amigo.
Bárbara assentiu devagar e caminhou na direção do quarto, ainda lançando um olhar para a sala. Restou somente Fernando e a própria Dominique. Nenhum deles era burro e já deviam ter entendido sua paralisia. Relutante, encarou o padeiro e quase se arrependeu. Seus olhos demonstravam o que ela mais odiava: pena. Faziam-na lembrar do quanto era dependente em algumas coisas, mas pior do que isso, julgavam-na como uma inútil, mesmo que soubessem que nos territórios ela era a mais forte do grupo.
Antes que Fernando pudesse levantar qualquer discussão, Nicolas retornou com Bárbara.
— Descobri para onde Igor foi.
Dominique agradeceu pela agilidade do líder e disse:
— Vamos logo.
Juntaram as mãos novamente. Dominique sentia que dessa vez Fernando a segurava com mais delicadeza. Ela rilhou os dentes e fechou os olhos, aguardando serem transportados. Não demorou a sentir a mudança no ambiente, e a força de volta às pernas.
Os quatro estavam em uma fila, haviam pessoas à frente e atrás deles. A sala, ou melhor, a recepção, possuía paredes brancas e um chão com piso bege. Na frente, no início da fila, havia um balcão de recepção com duas mulheres atendendo, usavam roupas brancas e mexiam em um computador enquanto o atendido aguardava por instruções. No canto superior direito da recepção, se encontrava um corredor largo, e adiante diversas portas com algum rótulo na madeira.
Uma pessoa foi liberada da fila e seguiu na direção do corredor, Dominique andou junto com os demais sem pestanejar.
O cheiro de desinfetante e álcool denunciava onde estavam. Um arrepio percorreu seu corpo, junto com um frio que entorpecia as pernas, lembrando-a de quantas vezes estivera nesse tipo de lugar. Olhou para trás e viu a saída do hospital, um paredão de vidro com duas portas automáticas.
Sentiu um toque no braço e quase se afastou antes de ver que era Fernando, saindo da fila junto com Bárbara e Nicolas.
— Tu está bem? — perguntou, a mão ainda estendida em sua direção.
— Sim, eu só… me distraí.
Fernando a encarou por um momento, sentiu como ele tentasse ler seus pensamentos, mas por fim olhou para os demais e segurou o pulso dela.
— Não se preocupe, acho que foi só um choque de chegada.
Da forma mais gentil possível, desprendeu-se de sua mão e acompanhou-o até as fileiras de cadeiras estofadas que estavam no lado esquerdo da recepção. Sentou-se em uma, deixando as pernas se recuperarem do ocorrido. Teve que lembrar que era só um território, não um hospital de verdade.
— Vamos primeiro checar o lado externo — disse Nicolas, tomando a atenção dela. — Depois disso, entramos e seguimos no corredor.
— Tem algo diferente, não? — questionou Fernando, olhando em volta. — Digo, olha isso. — Apontou para as pessoas na fila. — Tem muita gente aqui e não para de vir mais.
— Não vejo nada de errado, o metrô era igual. — Bárbara cruzou os braços e franziu o cenho.
— Tinham pessoas nele, mas elas passavam uma sensação diferente. — Fernando olhou para todos do grupo. — Ou eu tô ficando maluco?
— Não, você está certo. — Nicolas olhou para os indivíduos saindo da fila e aqueles entrando no hospital. — Não é que passam uma sensação diferente, eles têm presença. No metrô só estavam lá, como se fizessem parte do cenário. E quando tomavam alguma ação, era para nos atacar.
Dominique se levantou, não se deixaria levar por lembranças e expectativas negativas sobre si.
— Acho que descobriremos mais investigando. Vamos lá? — sugeriu ela.
Saíram da construção, deparando-se com enormes eucaliptos cercando a área do hospital. Eram dignos de filmes, passando dos vinte metros. Todos muito mais próximos entre si do que no território do urubu. Antes das árvores, acessível através de uma sequência de escadas ou uma rampa, estava o estacionamento. Impecável como nunca visto antes, o concreto era bem-feito, sem as quebras ocasionais e as linhas de demarcação de vagas pareciam recém pintadas.
Seguiram Nicolas até o meio do estacionamento, diversas pessoas passaram por eles, todas indo em direção ao hospital. Dominique soube então que se quisessem sair do território, era ali que deviam fazer isso.
Nicolas virou-se para o hospital e Dominique replicou o movimento. A construção tinha três andares, a julgar pelas janelas. Não era muito grande e, em outras condições, poderia considerá-lo como um hospital de cidade interiorana.
— Nada anormal até aqui — murmurou Nicolas. — Alguém sente algo estranho?
Todos negaram.
— Ótimo, esse aqui será nosso ponto de encontro caso nos separemos. Também não hesitem de usar as pílulas em situações de extremo perigo. — Ele olhou para o último andar. — Se esse território for parecido com os demais, o originador estará no topo. Por isso vamos vasculhar os andares inferiores primeiro.
— Se acharmos Igor, o que faremos? — perguntou Bárbara.
— Damos uma pílula a ele. Alguém vai ficar sem, mas já sabemos o local de fuga e temos mais chance de sobrevivência do que alguém que foi capturado.
Dominique assentiu. Passou a entender melhor a função de Nicolas, antes o tomava por uma espécie de salvador, enviado ali para dar a eles o melhor destino possível, porém, após o território das ilusões e do desastre que causaram, entendia que era apenas um humano. Ainda o culpava, em partes, pelo fracasso, mas sabia que tentava apenas desviar a responsabilidade de si. Essa era a função do líder, tomar as decisões e absorver a culpa para impedir que o resto do grupo implodisse com a pressão e a responsabilidade. Que outro seria capaz de reagir tão rápido a adversidades? Quem seguiria de cabeça erguida após fracassar? Ela não conseguiria, e apostaria que Bárbara também não. O mais próximo seria Fernando, mas a empatia do homem o impedia de fazer certas coisas. Sabia que, dependendo dele, ninguém do grupo se arriscaria, e por isso mesmo não fariam avanços tão rápidos.
Com um plano mais ou menos definido, percorreram o caminho de volta para o hospital, passando pela recepção e adentrando o corredor. Encontraram-no silencioso e solitário, não havia sinal das pessoas de antes. Ele se estendia por metros e mais metros com portas numeradas e fechadas ao longo de sua extensão. Ao final era possível enxergar uma escadaria para cima, sem elevadores.
Nicolas se aproximou da primeira porta no corredor, numerada com 101, e abriu. Dentro havia um quarto hospitalar com três leitos, uma porta para o banheiro e zero janelas. As camas estavam arrumadas e desocupadas, o cheiro de desinfetante inundava o ambiente.
Seguiu até a porta seguinte, de número 102. O grupo o acompanhou apenas para ver um quarto exatamente igual ao anterior.
— Não vamos abrir todas, vamos? — Bárbara olhou para Nicolas. — Isso vai demorar uma eternidade.
— Seria contraprodutivo. — Ele fechou a porta. — Fernando e eu ficaremos de olho nas portas, se virmos alguma anormalidade, abrimos. Você e Dominique mantenham a atenção no caminho.
Seguiram ao longo do corredor sem mais paradas. Estava tão silencioso que os saltos das botas de Bárbara ecoavam por ali. Tac, tac, tac. Quanto mais andava, mais se lembrava das vezes em que esteve em um hospital. Um símbolo de esperança e tristeza, para ela mais do último que do primeiro.
O silêncio e calmaria foram rompidos quando todas as portas ao redor do grupo se abriram. Dominique levantou os punhos e preparou o corpo para avançar na presença mais próxima, mas paralisou ao ver do que se tratava. Não acreditou no que via, naquele rosto calmo, com um sorriso sempre despontando nos lábios, nos olhos castanhos e profundos, onde podia se perder por uma quantidade de tempo indefinida.
Baixou os braços e a visão borrou pelas lágrimas que surgiam. Joaquim se aproximou dela e segurou em suas mãos. Os dois encostaram as testas e ela se deixou ser levada, arrastada para onde seu marido desejasse.
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