- Guilherme Lopes Lacerda
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Predadores: A Obsessão - Capítulo 20
Onde Bárbara e Nicolas devem encontrar os dois companheiros sumidos no hospital
No último capítulo, o grupo se reuniu e entrou no território com aparência de hospital. Bastou uma rápida exploração para serem atacados pelos predadores.
Agora, apenas Bárbara e Nicolas sobraram, deixando-os com o dever de resgatar Igor e também encontrar onde foram parar os dois companheiros desaparecidos.

Em um segundo estavam apenas os quatro, e no seguinte foram cercados por uma multidão de predadores, criaturas humanoides de braços grossos terminando em mãos achatadas de dedos curtos e grossos contendo garras. Não possuíam olhos e o formato da cabeça assemelhava-se a um focinho de animal, terminando em um nariz achatado na ponta do rosto, com cor mais rosada que o resto do corpo. Possuíam coordenação surpreendente, navegando habilmente entre si e encurralando o grupo. Bárbara tentou manter-se próxima aos outros, mas os inimigos eram muitos e quando deu por conta estava sozinha.
Cordas surgiram para erguer os predadores, e a motoqueira aproveitou o enforcamento de diversos inimigos próximos para olhar os arredores. Encontrou Dominique sendo abraçada por um homem desconhecido. Gritou para a idosa, mas sem efeito. Os dois afundavam no chão e, Bárbara foi bloqueada antes que pudesse se mover na direção da companheira. Deu um encontrão na criatura à sua frente e conseguiu linha de visão para Dominique mais uma vez, mas não havia sinal da mulher.
Procurou por Fernando e não o encontrou, teria sido raptado também? O único que restava era Nicolas, rodeado pelos monstros. Cordas surgiam a todo momento, mas onde antes havia um corpo, logo estava um novo inimigo. Bárbara disparou na direção do último companheiro, amaldiçoando a própria incapacidade de proteger os demais. Garras atingiam seu corpo a cada passo e, por mais que resistisse aos ferimentos, a dor marcava presença.
As cordas pararam de surgir e os predadores conseguiram chegar perto de Nicolas. Bárbara acelerou e deu um empurrão com o ombro em um predador já próximo do homem. Os dois trocaram um olhar breve e ela pôde ver manchas azuladas nos lábios de seu companheiro. Pela respiração entrecortada, parecia capaz de desabar a qualquer instante.
Nicolas apontou para uma parede, haviam poucos predadores no caminho, a maioria deles parecia concentrado em evitar que fugissem pelo corredor. Não sabia o que diabos fariam lá, mas acatou as ordens, não era como se ela tivesse um plano próprio. Seguiram até o local, com Bárbara protegendo Nicolas das mãos dos predadores.
— E agora? — gritou a mulher.
— Explode. Todo lado menos costas. — Cada palavra era emitida com visível esforço. — Depois recepção.
E como caralhos faria isso?! Não, sem tempo para hesitar. Os predadores cada vez mais próximos urgiam uma ação. Nas vezes que conseguira focar sua habilidade, foi de forma inconsciente. Encarou os inimigos, uma massa de predadores que agora lhe remetiam a toupeiras. Sentiu o calor de sua habilidade espalhando-se pelo corpo inteiro, como uma fornalha ardendo. As costas não, as costas não!
Obedecendo sua vontade, a queimação afastou-se das paletas, focando-se nas laterais e no peito, onde passou a ser magma, prestes a derreter seus ossos e escorrer pelo tronco. Sentiu a iminência da destruição que poderia causar, bastava deixar tudo fluir e a jaqueta faria o resto. Se conteve para não ferir Nicolas. Os predadores chegaram bem perto, e Bárbara liberou a explosão com um grito.
As criaturas foram erradicadas, o piso do chão arrancado, as paredes racharam e o prédio tremeu. Seus joelhos quase cederam e ela mal teve tempo de se recuperar antes de Nicolas segurar seu pulso e puxá-la em direção à saída.
— Espera — arfou ela. — E os outros?
Sua resposta foi uma balançar negativo da cabeça. Atravessaram o corredor e chegaram na recepção. Lá era como se nada tivesse acontecido, as mesmas funcionárias atendiam os recém-chegados e mais pessoas entravam no hospital para formar a fila em um ciclo infinito. Foram até as cadeiras, Nicolas se sentou e curvou-se para a frente, mantendo os olhos no corredor, talvez esperando a aparição dos predadores a qualquer momento. Bárbara deixou os joelhos cederem e escorou bem as costas no assento, olhando para cima.
— Nós não… — Baixou os olhos para o companheiro. — Não perdemos eles?
Sem tirar os olhos do corredor, Nicolas respondeu:
— Não.
— Como tem certeza? — A calma dele a indignava. — Viu aquelas coisas? Dominique talvez se salve, mas Fernando não é um lutador!
Alguns segundos de silêncio se passaram. Nicolas aliviou o aperto da corda no pescoço e respondeu:
— Esse lugar não opera só com agressão. Nenhum dos dois resistiu ao ser arrastado, e os predadores não pareciam inclinados a atacá-los. — Fez uma pausa para tomar ar. — Aqueles predadores não vão matá-los, não tão rápido.
— Então por que nós fomos atacados? Tu sobreviveu porque protegeu seus arredores, e eu porque sou resistente. Eles teriam nos trucidado se tivessem a chance!
— Acho que o hospital usa algum tipo de ilusão para impedir a oposição. Você e eu somos resistentes, e por isso fomos atacados.
— Porra! E no que isso ajuda a salvar os dois?
Nicolas se levantou e caminhou em direção à saída do hospital.
— Não está pensando em deixá-los, está? — perguntou Bárbara
— Estou indo pensar. — Ele parou. — Venha, preciso de você.
Saíram da construção e foram até o estacionamento, bem onde Nicolas estivera da outra vez. Sentia que ainda conseguiriam fugir se quisessem, mas não fariam isso. Não deixaria o homem nem pensar nisso. Ele apontou na direção do hospital e perguntou.
— Notou algo estranho? — perguntou Nicolas.
Ela semicerrou os olhos e disse:
— Menor do que eu esperava.
— Sim, bem menor, o corredor que fomos atacados era maior que a extensão da construção.
— E só fica pior.
Um homem de meia idade passou pelos dois. Bárbara não perdeu tempo e gritou:
— Ô! Tu aí!
O homem a ignorou e seguiu em frente. Ela bufou e avançou, alcançando-o e colocando-se em sua frente.
— Tô falando contigo.
Ele parou, porém seus olhos estavam desfocados, as pupilas dilatadas ao extremo. Ficou olhando para ela como se estivesse diante de uma parede.
— O que veio fazer aqui? Tá indo para onde?
— Visitar minha irmã — respondeu ele, em voz lenta e monótona. — No quarto andar.
Ele fechou a boca e ficou olhando na direção de Bárbara. Com um suspiro, ela saiu da frente e o homem continuou sua caminhada.
A motoqueira perguntou o mesmo para mais quatro transeuntes e, ao final, se aproximou de Nicolas, que continuava parado observando o hospital.
— No fim todo mundo está aqui para ver alguém e todos vão ao quarto andar. Poderíamos começar nossa busca por lá, só passar por três andares recheados de predadores antes.
— Ou pegamos a rota de entrada de ambulâncias.
Bárbara olhou na direção apontada por Nicolas e encontrou os veículos parados no lado esquerdo do hospital e, alguns metros à frente delas, uma entrada específica para emergência e a placa “Exclusivo para Ambulância” logo ao lado das enormes portas duplas.
Foram até o local e passaram pela porta. Próximo a eles havia um balcão de atendimento, uma fileira de cadeiras para espera e no lado esquerdo uma porta larga. O local não era grande, porém possuía espaço o suficiente para manobrar uma maca sem correr o perigo de acertar as paredes. Diferente da entrada comum, esta era desprovida de vida. Ninguém na sala de espera, ninguém para atender. O único som era um chiado incômodo vindo de uma televisão próxima ao teto, onde somente estática era mostrada em sua tela.
Seguiram pela esquerda e acabaram em um corredor com diversas portas em ambos os lados e, ao final dele, um elevador. Bárbara caminhou reto para o fim do caminho, mas parou ao ver que Nicolas não a seguia. Ele havia se aproximado de uma das portas.
— Não acha que estará vazio também? — perguntou a mulher.
— Melhor verificar pelo menos uma.
Ele abriu a porta. A visão das paredes repletas de manchas vermelho-escuro, a poça de sangue abaixo do leito hospitalar aumentando de tamanho a cada segundo e o cheiro pungente de carne podre misturado com álcool obrigaram Bárbara a desviar o olhar. Quando deu por conta, estava olhando a madeira da porta, tentando distrair-se com as unhas de Nicolas na maçaneta. As memórias do último território vieram com tudo, trazendo tontura e enjoo.
Arriscou outro olhar, desta vez notando uma pia em um canto da sala e, mais importante, o corpo que repousava no leito, coberto por lençóis brancos que se tingiam de rubro. Pensou em entrar, mas antes que pudesse dar o primeiro passo, Nicolas fechou a porta. Os dois trocaram um breve olhar, havia uma pergunta entalada na garganta de Bárbara, fazê-la poderia muito bem levar a uma descoberta infeliz.
— Vou ver se é um deles — disse Nicolas. — Fique de guarda.
Bárbara assentiu e virou de costas para a porta, mantendo os olhos no corredor e no caminho por onde entraram. Ouviu o homem entrando e alguns segundos depois, o som de água escorrendo. Ele saiu do quarto balançando mãos úmidas e limpas. Não esperou Bárbara perguntar.
— Não era nenhum dos dois. Vamos checar as demais.
As outras salas estavam vazias e limpas, nenhuma gota de sangue em lugar algum. Não havia sinal dos companheiros, mas era melhor isso do que vê-los naquele corredor.
Chegaram no elevador. Ao lado esquerdo das portas estavam os botões para chamá-lo, e acima delas havia um painel digital mostrando o andar em que ele se encontrava.
— Andar menos um? Isso está funcionando? — Bárbara apertou o botão para subir, que se acendeu com uma leve luz amarelada.
— Talvez seja o subsolo.
O painel alterou o andar de “-1” para “T”. Bastou as portas abrirem para que ouvissem algo vindo de trás. Ela se virou e viu duas pessoas entrando na primeira sala que investigaram.
— Merda, vamos rápido! — Entrou no elevador, prestes a acionar qualquer comando que os tirasse dali, mas parou no último momento ao ler os três botões no painel. Lidos de baixo para cima, eram: Avaliação, Perdição e Recuperação.
— Que porra é essa?!
As duas figuras saíram da sala, trazendo consigo o leito sangrento, e correram na direção do elevador.
— Vai qualquer coisa mesmo.
Bárbara aproximou o dedo do painel, mas Nicolas segurou seu pulso.
— Vamos aguardar.
— E ficar no elevador com eles?
— São só dois, esse número eu aguento.
— Só quero ver.
Esperaram e viram que a dupla era um enfermeiro e uma enfermeira, as faces nada mais que telas em branco. Entraram no elevador espaçoso o suficiente para a maca e os outros quatro ocupantes, e apertaram o botão “Recuperação”. As portas se fecharam, eles subiram e nem cinco segundos depois um “ding” soou no alto-falante, anunciando sua chegada ao terceiro andar. Os enfermeiros dispararam para fora, deixando Bárbara e Nicolas sozinhos, e o chão manchado do sangue que pingou da maca.
Saíram do elevador. Os olhos da mulher logo foram para a porta mais próxima, temendo que alguma ameaça saltasse para cima deles, mas tudo que viu foi uma placa com o nome “Raíssa” próxima ao topo. Olhou para a entrada do quarto seguinte, à direita: mesmo tom, mesmo material, nome diferente. As demais seguiam o mesmo padrão.
Enquanto olhava adiante, Bárbara quase não viu Nicolas se aproximando da porta “Raíssa” e colocando a mão na maçaneta. A motoqueira abriu a boca, mas o líder levou o dedo aos lábios antes que o som saísse. Mesmo assim, ele entendeu o pedido e deixou-a ir na frente. Murmúrios escapavam pelas frestas, chegando quase inaudíveis aos ouvidos de Bárbara. Seja lá o que estivesse do outro lado, sabia falar.
Sentiu os dedos suados contra o metal da maçaneta e o girou. O clique suave da lingueta se recolhendo não silenciou as vozes do outro lado. No quarto havia uma menina de no máximo quinze anos. Ela sentava-se em um leito com travesseiros servindo como apoio para suas costas. Ao lado dela, em uma cadeira, estava um jovem de idade semelhante. Ele segurava e apoiava a testa contra as costas da mão da enferma.
— Me desculpe, me desculpe, não servi para nada.
— Shhh — disse a garota, com um pequeno sorriso. — Estou aqui, estou bem. Está tudo bem agora.
Do outro lado da cama, tinha um armário entreaberto com algumas roupas dentro. No interior, também era possível ver alguns livros que, pela grossura e tamanho, deviam ser de estudos. Bárbara fechou a porta com tanto cuidado quanto abriu. Se virou para Nicolas e o empurrou de leve no peito. Os dois recuaram até o meio do corredor.
— Eu vi direito? Parecia só uma guria hospitalizada — disse Bárbara.
— E um rapaz acompanhando ela, eu vi. Mas não podemos acreditar nisso, aqui não é um hospital.
— Eu não vou atrapalhar os dois.
Nicolas a encarou e Bárbara sustentou seu olhar. Segundos depois, o homem direcionou seus olhos até o próximo quarto.
— Tem pessoas nesse andar, talvez encontremos os três por aqui.
Seguiram pelo corredor, abrindo incontáveis portas e checando o conteúdo delas. Quarto após quarto, encontravam sempre a mesma cena, um paciente e um familiar ou amigo. Apenas em uma ocasião encontraram mais de uma pessoa como acompanhante. De vez em quando mais enfermeiros passavam por eles, indo até um quarto, deixando o paciente e voltando.
Fizeram questão de memorizar quais eram os quartos com os novos pacientes e visitá-los. O primeiro surpreendeu. Esperavam entrar em um quarto com um cadáver dentro, mas encontraram um jovem relativamente saudável e inteiro, e uma mulher conversando com ele. Os demais seguiram este padrão: uma maca sangrenta passava e um paciente saudável era deixado no quarto, onde ninguém mais entrava, porém, ao checá-lo, sempre havia um acompanhante.
Depois de muito andar, abrindo portas e escutando trechos de conversas, chegaram a uma com a identificação de “Joaquim”. O processo estava tão automático que Bárbara abriu quase sem pensar. Seu coração bateu forte ao ver Dominique como acompanhante no interior do quarto. Na cama, um homem idoso conversava com ela. Mesmo com a idade, ele mantinha a boa forma, dava para ver pela grossura dos braços, possuía também uma voz rouca e forte. Os dois ocupantes conversavam amenidades, mas logo Dominique olhou na direção da porta. Um breve arrependimento abateu Bárbara por terem adentrado aquele santuário.
A idosa acariciou e beijou a mão do enfermo, sussurrando algo em seu ouvido na sequência. Os olhos dele encheram-se de lágrimas.
— Não pode ficar mais um pouco?
— Eu adoraria, queria ficar aqui para sempre, mas eu preciso ir. — Apontou na direção dos companheiros. — Estou ajudando eles agora, é importante. Um último dever para uma velha como eu.
— Eu… entendo. — Ele olhou para Bárbara e assentiu de leve, voltando a fitar Dominique em seguida. — Vou esperar.
A idosa se curvou sobre a cama e beijou os lábios do homem. Segurou suas mãos uma última vez e soltou, virando-se na direção da porta e caminhando para a saída. Bárbara e Nicolas abriram espaço e deixaram-na passar.
— Dominique… eu… — começou Bárbara.
— Não se preocupe comigo — respondeu a idosa, o olhar firme em frente, mas com a voz falhando na última palavra. — Joaquim está morto e eu sei disso. Deus me recompensou com mais alguns momentos ao lado hoje.
— Agora sabemos de uma coisa, Fernando está por aqui — disse Nicolas, olhando de canto para Bárbara. — E seu amigo também. Vamos encontrar os dois.
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