- Guilherme Lopes Lacerda
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Predadores: A Obsessão - Capítulo 22
Dominique e seus companheiros enfrentam o originador do hospital
No último capítulo, o grupo conseguiu se reunir após vagarem pelo andar “Recuperação” e foram explorar o andar “Perdição”, onde encontraram o originador do território.
Agora, devem escapar não somente do monstro, mas buscar uma forma de fugirem para outro andar.

As mãos eram suficientes para cobrir o tronco e parte das pernas, e apertavam-na com força crescente. Por mais que tentasse, Dominique não conseguia sair, não conseguia mover nada além dos pés e do braço esquerdo, que estava livre do agarrão. Atrás de si, Nicolas estava com os olhos focados na criatura, mas imóvel. Fernando estava logo ao lado do líder, alternando entre o homem e a criatura. A única a se mover era Bárbara, mas o que ela faria? Seu poder funcionava melhor quando ela era o alvo dos monstros. Nenhuma ajuda viria. Não, não. Que pensamento derrotista era esse? Ela disse a Joaquim, não disse? Tinha um dever, uma missão dada a grupo seleto. Se era para morrer, faria isso dando o máximo de trabalho possível.
Olhou para o rosto do predador. Ele afastou-a um pouco de si quando agarrou, e agora movia os lábios rapidamente. Entre Bárbara gritando abaixo de si e as batidas de coração que pareciam tambores abafando o resto, conseguiu ouvir um sussurro:
— Minha estrela, minha pequena estrela, é você?
Sem tempo para fazer sentido de loucuras, Dominique reagiu, socou as mãos da criatura, deu cotoveladas. Nada tinha efeito, porcaria! Esticou o braço para puxar um dos tentáculos, mas estavam longe demais. Se ela tivesse uma arma, talvez um facão, alcançaria o predador e cortaria tudo.
Nesse momento, sentiu o antebraço livre perder a sensibilidade, a pele ficou pálida, a roupa desapareceu e os ossos mudaram de forma. A carne secou e o osso transformou-se em metal, moldando-se no formato de um facão longo. Não havia porquê entender o que aconteceu, sobrevivência era essencial. Balançou o braço-facão e cortou de uma vez só cinco tentáculos.
A criatura berrou e soltou a idosa, que se estabacou no chão. Antes que pudesse se erguer, um dos enormes braços do predador moveu-se para esmagá-la. Sua reação instintiva foi encolher-se e aguentar a dor, mas o impacto não veio. Viu Bárbara sobre si, o corpo tão cheio de rachaduras quanto um copo trincado. Ao fundo, o braço se erguia mais uma vez. Dominique ergueu-se, passou a mão na cintura de Bárbara e saltou para o lado com a companheira. O chão atrás delas foi atingido na sequência, rachando o piso e soltando cacos de porcelanato para todos os lados. Mal tinham se recomposto e o originador preparava outro ataque. Precisavam ser mais rápidas!
— Me proteja mais uma vez! Vou atacar em seguida! — gritou Dominique.
Teria apenas uma chance de cortar os tentáculos restantes. Se errasse, ficaria suspensa no ar e a experiência no território do metrô mostrou que era vulnerável demais assim. A mãozorra desceu e mais uma vez Bárbara aguentou o golpe, erguendo os dois antebraços. Seus joelhos flexionaram, as fendas no corpo multiplicaram e jaqueta irradiou ainda mais o vermelho das asas. Dominique aproveitou o momento para saltar com toda a força na direção da cabeça do monstro e, enquanto passava pela protuberância, usou o facão para cortá-la. Por pouco não foi atingida por um golpe do originador enquanto ele se debatia.
— Vamos, vamos! — disse a idosa ao aterrissar.
Ela e Bárbara se afastaram enquanto o predador enlouquecia. Berrando e se debatendo, as mãos socavam as paredes, as unhas arranhavam pedaços do chão como se fossem areia molhada, tudo isso enquanto ignorava a presença dos demais.
— Precisamos… sair — disse Nicolas, assim que reagruparam.
O grupo inteiro correu para longe, procurando por uma segunda saída. A loucura do originador diminuiu até cessar e logo não ouviam mais nada, silêncio total a não ser pelas próprias batidas dos calçados contra o piso.
Encontraram uma escada para baixo e, por falta de plano melhor, desceram-na. Com o andar inferior sendo idêntico, tomaram o caminho direto até o elevador. Não demorou muito para os tremores começarem, mas, graças a Deus, chegaram sem problemas. Ele estava com as portas abertas, como se estivesse apenas aguardando o grupo. Dominique apertou um botão sem nem pensar. Enquanto a porta fechava, viram o originador emergir ao derrubar uma parede próxima. A protuberância estava de volta junto com todos os tentáculos. Ele virou o corpo na direção deles, mas não fez menção de segui-los.
Chegando no térreo, correram até a rua e, com exceção de Dominique, largaram-se todos pelo chão. A idosa ouviu alguém lhe perguntando sobre ferimentos, mas ela estava distraída com seu braço esquerdo, que voltara ao normal.
— O que acontece agora? — perguntou Fernando, esfregando as mãos cobertas de rachaduras após ajudar Bárbara.
— Ele é capaz de se curar — disse Nicolas, recuperando a compostura. — A maioria do que Dominique fez não teve efeito, capaz de Bárbara não ter muita utilidade também.
— A pele dele é bem grossa, senti como se tivesse batendo em concreto puro. — Dominique olhou para a mão direita. — Se formos atacar, tem que ser na cabeça.
— Antes de qualquer coisa, como tu fez aquilo? — perguntou Bárbara, apontando para seu braço esquerdo.
— Eu não sei, pensei que queria uma forma de cortar os tentáculos, quando notei já estava com uma lâmina no braço. — Levantou a mão esquerda para o alto. — Devo ter entendido errado minha benção.
— Ainda assim, não podemos desistir! — Fernando alternava o olhar entre os demais. — Ferimos ele um pouco.
— Não é o suficiente, fomos apenas um incômodo — rebateu Nicolas.
— Menos que isso eu diria. — Bárbara cruzou os braços.
— Tem outra coisa… o originador falou algo enquanto me prendia — disse Dominique.
— Que palavras ele usou? — perguntou Nicolas, avizinhando-se.
— “Minha estrela, minha pequena estrela, é você?”. — Dominique suspirou. — Mas não vejo como isso vai ajudar muito, desculpe…
— Não se desculpe — disse o líder. — Temos que entender mais um pouco desse lugar.
— O que há mais para entender? — perguntou Fernando. — Não estivemos em todos os andares já?
Nicolas e Bárbara trocaram um olhar.
— O andar -1 — disse a mulher mais jovem. — É realmente um lugar ou só um defeito no elevador?
— Vamos descobrir.
Fernando se levantou, Dominique foi em seguida e ajudou Bárbara a ficar em pé. Mais um andar, com sorte seria um lugar pequeno e sem predadores. Pena que estavam sem sorte naquele dia.
Caminharam de volta ao elevador e entraram nele. Os botões dispostos na vertical não indicavam sinal algum de ter outro andar. Investigaram juntos o resto da cabine, procurando por alguma dica. Minutos se passaram até que saíssem de mãos vazias.
— Talvez dê para entrar só pelo poço. Abrimos a porta e eu pulo — sugeriu Dominique.
Um par de enfermeiros saiu de uma sala trazendo consigo uma maca, utilizaram o elevador e subiram para outro andar.
— Nem pensar, e se não tiver fundo? E se tu não voltar, o que fazemos? — questionou Fernando.
— É uma boa ideia. — Nicolas assentiu. — Mas só até a parte de abrir a porta.
Assim, com a ajuda de Dominique, forçaram a porta. O poço não acabava no térreo, ia mais para o fundo. Olhar aquele abismo trouxe um frio na ponta dos dedos da idosa, junto com a certeza que não gostaria de descer até lá.
— Não dá para fazer uma corda e descemos de rapel? — perguntou Bárbara. — Aí se tiver um perigo tu só puxa para cima.
— Não. — Nicolas nem olhou para ela ao responder. — Serve apenas para enforcamento e restrição. E também, meus alvos precisam estar ao meu redor, então se eu descer alguém, eventualmente não vou conseguir mais prender essa pessoa.
— Tentei. — A motoqueira deu de ombros.
Fecharam a porta e aguardaram o elevador descer, entrando nele mais uma vez em uma nova tentativa de descobrir como chegar ao andar oculto. Investigaram mais um pouco, porém não havia nenhuma dica.
— Talvez… — começou Bárbara. — A gente não deva ir lá? Tipo, lugar proibido e tal.
— Por essa lógica nem deveríamos estar aqui, ou estar vivos — disse Fernando.
— Não, faz sentido. Um andar que não deveria ser acessado, que precisa ser descoberto. Algo que o originador quis manter oculto de qualquer um, mas que se olharmos sob a superfície, será encontrado. — Nicolas olhou para os botões do elevador. — Talvez a solução precise de um pouco de violência. Dominique, arranque o painel.
Feliz em ajudar, a idosa se aproximou e forçou a mão contra o metal. Seus dedos atravessaram a proteção sem muita resistência, e ela puxou. O painel resistiu por um tempo, até que abriu com um estalo, girando para fora como uma porta.
O interior revelou ser um compartimento cheio de placas eletrônicas fixas na parede e fios coloridos, alguns levando para entradas na parede que Dominique não fazia ideia de onde iam dar. Na parte de trás do painel de botões, havia uma placa redonda para cada botão, todas ligadas por fios que se juntavam e, se tinha entendido corretamente aquele mundaréu de cabos, ligavam-se nas placas que estavam fixas à parede.
— Aí sim! Olha ali! — Bárbara apontou para a sequência de botões, onde uma das placas de seleção de andar estava suspensa, ligada aos fios, mas não estava conectada em nenhum dos botões.
— Como sabia? — perguntou Fernando.
— Não sabia, foi experimentação. — Nicolas passou os olhos por cada um deles. — Descemos então. Todos prontos?
O grupo se aninhou no meio do elevador. Nicolas substitui a placa do andar Recuperação por aquela que supostamente os levaria até o subterrâneo e apertou o botão. As portas do elevador fecharam e o frio na barriga que surgiu indicava que desciam.
Levou quase um minuto para as portas se abrirem. No painel de andares estava o -1 que viram antes. Bastou darem um passo para fora que sentiram o ar gelado que percorria o andar inteiro.
Era uma única sala comprida e alta, com paredes feitas de metal e fileiras e mais fileiras de gavetas que as preenchiam, subindo até o teto, por onde uma única lâmpada de luz branca e forte dava conta de iluminar tudo.
A alguns metros de distância do elevador, havia um totem com um tablet próximo do topo. Era discreto e cinza, do tipo que se encontra em muitas lojas Brasil afora. Não demorou para se aproximarem do dispositivo, que estava em um aplicativo de contatos. Diversos nomes cobriam a tela, separados por uma linha horizontal. Nicolas deu um passo à frente e tocou em um dos nomes. Uma nova janela abriu, contendo mais informações sobre a pessoa.
NOME: AMANDA PACHECO AMARAL
IDADE: 23 ANOS
ALTURA: 1,76 CM
PESO: 68 KG
A lista de descrições físicas era enorme, e uma foto no canto superior direito mostrava o rosto da tal Amanda. Nicolas se demorou lendo tudo que tinha na tela e, ao final, precisou rolar para baixo. No fim de tudo, havia informações que chamaram mais atenção que as outras.
CAUSA DE MORTE: PERDA DE SANGUE
CAUSADOR DA MORTE: AMANDA PACHECO AMARAL
HORÁRIO DA MORTE: 00H23
Havia um botão azul também: “Mostrar Cadáver”. O dedo de Nicolas pairou por alguns segundos acima da tela, mas, por fim, acabou tocando no botão. Seguiu-se um som alto, como se mecanismos há muito tempo parados voltassem a funcionar. As gavetas do necrotério começaram a se reorganizar. Subiam, iam para o lado e desciam. Depois de poucos segundos, uma delas ficou ao nível do chão, se abriu e levou para fora a bandeja mortuária contendo uma pessoa. Estava coberta dos pés à cabeça por um plástico branco que não permitia a ninguém ver o que havia por baixo.
— Dê uma olhada no cadáver — ordenou Nicolas a Bárbara.
— Eu não, vai tu.
Então Nicolas foi. Levantou o plástico na área da cabeça, olhou por alguns segundos para o rosto, e fez o mesmo na área dos pulsos. Voltou ao totem.
— É a Amanda mesmo, pelo menos em aparência — disse ele.
O botão se tornou vermelho e anunciava a opção de “Ocultar Cadáver”. Nicolas o apertou e o corpo de Amanda voltou para a gaveta. Voltaram à lista de nomes. No topo dela havia um sino cuja cor anterior era cinza, e que mudara para vermelho. Ao tocar no símbolo, abriu-se uma pequena janela com os dizeres:
LAURA SCHMITT ADICIONADA À LISTA
HENRIQUE OLIVEIRA ADICIONADO À LISTA
EDUARDO MOURA ADICIONADO À LISTA
FRANCIANO GAIESKY ADICIONADO À LISTA
Nicolas fechou a janela de novas adições e seguiu conferindo outras pessoas. Todas tinham tantos detalhes quanto a primeira, e sempre mostravam a causa da morte. Assim que chegaram na letra “C”, Fernando disse:
— Deixa eu mexer aí.
— Quer procurar alguém? — perguntou Nicolas, sem se virar.
— Quero.
— Quem?
— Eu mesmo, acho.
O líder deu espaço ao padeiro, que rolou e rolou até achar um nome: Cleber Martines. Ele abriu as informações da pessoa e deparou-se com a foto do pai. Dominique sutilmente olhou para outra direção, dando um pouco de privacidade ao colega.
— Qual o nome completo do Igor? — perguntou Fernando.
— Igor… Machado — respondeu Bárbara.
Fernando buscou pelo nome na lista quase interminável do tablet, até que parou com o dedo.
— Eu… — Olhou para Bárbara. — Quer abrir?
A mulher ficou tensa. O corpo, mesmo sem as rachaduras, parecia prestes a se desfazer em pedaços. Ela assentiu, tomou o lugar de Fernando e abriu as informações de Igor.
Nome: Igor Machado
Idade: 13 anos
Altura: 1,52 cm
Peso: 42 kg
Bárbara fechou os olhos, colocou as mãos no rosto e soltou o ar. Seus ombros caíram, mas ela logo olhou para Fernando e disse:
— Não é ele.
Dominique passou as mãos nas costas da companheira. Era uma sensação estranha estar aliviada com a morte de outra pessoa, ainda mais de uma criança.
— Ainda temos chance, então — disse Fernando, olhando para Nicolas. — Eu tenho uma teoria de como eliminar o predador, mas pode ser que não funcione.
— É melhor que ter ideia nenhuma — disse Bárbara. — Desembucha aí.
— No metrô havia aquele monstro grandão e um maquinista no mesmo lugar, acho que aqui pode ser parecido. Lembram daquela sala no andar da perdição? Deve ser uma pista! Uma dica de que o verdadeiro não é o monstro que enfrentamos, mas um desses cadáveres.
Nicolas assentiu enquanto mexia na corda em seu pescoço e ajeitava a gola da camisa.
— Só tem um problema: como vamos descobrir o nome da pessoa? — Bárbara passou um dos dedos pela tela, rolando a página. — Olha isso! A lista é enorme!
— Talvez a gente volte ao quarto dela e procure alguma identificação? — sugeriu Fernando.
— E se arriscar lá de novo? — Bárbara levantou uma sobrancelha. — Não acho que vamos ter tanta sorte dessa vez. Ainda mais que um vai ter que ficar procurando no quarto enquanto os outros seguram o monstro.
Pronto, ali estava sua chance. Uma forma de provar para eles que era capaz, que ia muito além de sua aparência. Antes que a discussão tomasse outro rumo, Dominique disse:
— Eu vou! Deixem isso comigo.
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