- Guilherme Lopes Lacerda
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Predadores: A Obsessão - Capítulo 26
Fernando decide reatar com a família
No último capítulo, vimos mais um pouco do passado de Nicolas, seu primeiro território e encontro com Rafael.
Agora, voltando ao presente, Fernando chega em casa após a longa exploração do território. Os eventos recentes o fazem encarar a vida e ele decide reatar com a família.

Voltar para casa foi difícil, por mais que tenha sido Dominique a consolar Bárbara, Fernando ainda estava preocupado. Apenas saiu do farol quando a motoqueira se despediu de ambos e desapareceu. Como seria arriscar sua vida para salvar alguém, acreditar que tinha conseguido e bem no final descobrir que falhou? O que faria na mesma situação? Não queria nem pensar nisso.
Em casa, na televisão, passava algum filme ou seriado enquanto Gabriel assistia deitado. Assim que Fernando ligou a luz da sala, o namorado desligou o aparelho e se levantou.
— Tu voltou! — Gabriel se aproximou e deu-lhe um abraço apertado.
Fernando nada disse, os últimos pensamentos vieram à tona. Podia ser Gabriel em vez de Igor, o que definia quem era pego ou não pelos predadores? Retribuiu o abraço do namorado com força. Ficaram um tempo assim, não queria soltá-lo, mas teve que fazer isso quando o outro quebrou o abraço e recuou um passo, observando-o de cima a baixo.
— Deu tudo certo? Conseguiram? — perguntou ele.
Fernando negou com a cabeça.
— Vencemos, mas não conseguimos salvar Igor. Chegamos tarde demais.
Gabriel baixou o olhar por um momento, o alívio deixando seu rosto e sendo substituído por tristeza.
— E Bárbara? Como ela…
— Ficou arrasada. Levamos um tempo acalmando a coitada.
De repente, os joelhos quase lhe falharam, os braços pareciam incapazes de se erguerem e até as pálpebras tornaram-se pesadas. O corpo terminou de entender tudo que viu e sentiu no território. Caminhou em direção ao sofá, porém, antes que pudesse desabar no móvel, Gabriel o interrompeu.
— Por que não toma um banho?
Sim, precisava de um. Rumou para o banheiro e fechou a porta. Deixou as roupas sujas em um canto em vez de largá-las no cesto junto as outras. Entrou no box e ligou o chuveiro em temperatura gelada.
Seu corpo entrou em estado de alerta. Não pôde evitar de retesar um pouco os músculos das costas, mas isso era bom, estava desperto. Levantou um pouco a cabeça, deixando a água percorrer seu rosto. O frio o incomodava, mas a frustração também. Arrependia-se de ter caído em um truque tão idiota e simples como o reaparecimento de seu pai. Pior ainda, temia cair de novo em ilusões desse tipo. Não podia evitar de querer alguém querido de volta na sua vida. Quem conseguiria? Alguém sem coração?
Seu transe foi cortado quando Gabriel abriu a porta. O namorado largou uma toalha e uma muda de roupas em cima do vaso, pegou as sujas do chão e saiu sem dizer nada. Não era somente Fernando quem sofria e se preocupava. Devia ser muito mais difícil para o namorado, incapaz de ir aos territórios para ajudar. Antes que se deixasse levar por mais pensamentos, decidiu encerrar o banho logo e evitar aumentos na conta de água.
Assim que saiu do box, notou que as roupas no vaso não eram pijamas, e sim suas vestes do dia a dia. Sorriu. O companheiro conhecia-o bem, sabia que, mesmo naquela exaustão, ainda precisava dar seguimento à sua rotina. Vestiu-se e saiu do banheiro, deparando-se com um Gabriel que também trocara de roupa.
— Ué, vai aonde? — perguntou Fernando.
— Vou contigo.
Preparou-se para discutir, mas recebeu em troca um olhar significativo, um olho mais aberto com a sobrancelha erguida. Reconhecia esse de discussões que tiveram cujo resultado era o namorado conseguindo o que queria, seja por estar certo, ou por insistir demais.
— Seu trabalho começa cedo, tem certeza?
— Um dia virado não vai me matar. — Deu de ombros. — Qualquer coisa meto café na veia e sobrevivo até chegar em casa.
Os dois foram até a garagem, subiram na moto e rumaram até a padaria. Chegando lá, foi imediatamente trabalhar nos pães enquanto o namorado lidava com a limpeza. Gabriel perguntou em detalhes o que aconteceu no território, e Fernando contou tudo, até mesmo de seu pai. Era estranho o fato de que apenas falar com alguém sobre os eventos ajudava a diminuir a tensão que carregava, como se manter a boca fechada fosse parte do fardo.
Fernando notou como foi certa a decisão de contar tudo ao namorado. De outra forma, estaria ali sozinho, nesse mesmo horário, inventando desculpas e ainda tendo que lidar com sua rotina.
Com a chegada da manhã, veio a despedida de Gabriel, que ainda nem começara seu expediente. O turno na padaria foi tranquilo, parado até. O ócio se tornou o pai de ideias, que por consequência impulsionaram ações. Quando deu por conta, estava observando as últimas mensagens que recebera de Gilson.
Há anos não se comunicava com o irmão, com a família como um todo na verdade. Não ajudava que na última conversa com Gilson, o irmão questionava a ausência de Fernando no enterro do pai. E, como não houve resposta, seguiram-se algumas mensagens contendo insultos e dizendo que Fernando estava abandonando a família quando mais precisavam dele.
Como se repara uma situação assim? Aliás, qual mensagem mandar primeiro? Poderia enviar apenas um “Oi”? Fingir que apagou o histórico e que não se lembrava daquela última conversa? Claro que não, eles não eram idiotas. Escreveu e apagou diversas variações da mensagem, nenhuma era ruim, mas também não eram boas. Decidiu não enviar nada, o irmão estava trabalhando, não queria incomodá-lo. Mandaria de noite, quando montasse uma abertura ideal e Gilson estivesse em casa.
Ao fim do expediente na padaria, voltou para a residência e se preparou para começar as entregas. Bastou olhar para a mochila que essa ideia foi descartada. Não conseguiria colocá-la no dia, não com tudo que aconteceu antes. Além do mais, estava exausto ao limite, era bem capaz que batesse e se arrebentasse, além dos prejuízos materiais que teria. Sem entregas, era melhor dormir. Encostou a cabeça no travesseiro e o corpo tomou as rédeas uma mente imbecil, mergulhando Fernando em um sono quase imediato.
Acordou com alguém se mexendo no quarto. Meio grogue, enxergou Gabriel pegando as roupas no armário. Sentou-se devagar e coçou os olhos.
— Tentei não te acordar, deve estar exausto — disse o companheiro.
— Até que não, acabei dormindo a tarde inteira.
Gabriel se virou para ele, ostentando o olhar de quem desejou ter dormido por esse tempo e muito mais.
— Como foi o trabalho? — perguntou Fernando.
— Ótimo, muito produtivo.
— Sério?
— Claro que não, né! Metade do tempo eu fiquei me imaginando tirando um cochilo delicioso no sofá, e a outra metade eu fiquei tentando lembrar o que eu estava fazendo antes. — Ele riu. — Me senti de volta aos tempos de faculdade.
— Imagino que vai só capotar então.
— Queria, mas… no que está pensando?
— Eu? Nada.
— Vou fingir que acredito, aí depois do banho tu me conta a verdade.
Enquanto Gabriel ia para o banheiro, Fernando levantou-se e se espreguiçou. Esperava que esse dia sem entregas não impactasse tanto nas finanças, mas era algo que lidaria depois. No momento, já que sua rotina tinha ido para o espaço, decidiu aproveitar ao menos o resto do dia.
Caminhou até a cozinha e fez algo que há muito tempo não fazia: preparou chimarrão. Nunca foi o mais empolgado com a bebida, mas gostava de tomar para lembrar do pai e dos tempos em que a família se reunia pela manhã para prosear. Enquanto esquentava a água na chaleira, esqueceu-se qual era o passo a passo correto. Se bem que, se perguntasse para três gaúchos diferentes, cada um diria um processo distinto, então seguiu sua memória o melhor que pôde e não se preocupou muito com exatidões.
Quando terminou o chimarrão, levou a térmica e a cuia para a sala, onde ligou a televisão e deixou passando o noticiário. Gabriel saiu do banho em seguida, parou na sala e observou Fernando por uns segundos, fez uma expressão de desconfiança e foi ao quarto. Voltou menos de cinco minutos depois com seu pijama e se sentou ao lado do namorado.
Tomaram o chimarrão ao longo de alguns minutos. Tudo isso enquanto a ideia de falar com Gilson abria espaço entre os lábios de Fernando e quase saía, apenas para ser levada de volta por um puxão de incerteza.
— O que tu tá remoendo? — perguntou Gabriel, de repente.
— É tão óbvio assim?
— Óbvio?! Tu não fez as entregas hoje, preparou chimarrão e está com uma cara de quem foi para o mato sem cachorro. Falta só uma placa na tua testa.
Fernando confessou:
— Estou pensando em falar com meu irmão.
— Não! — Gabriel arregalou os olhos. — Não acredito que depois de anos, finalmente tu aceitou minha ideia. — Ele ergueu as mãos para o alto enquanto segurava um riso. — Glória!
Apesar do constrangimento, Fernando não se conteve e acabou rindo.
— Depois vou ter que pagar umas promessas — disse Gabriel. — Continua, não vou mais te atrapalhar.
— Que promessas?
— Melhor não saber.
Fernando semicerrou os olhos, mas o namorado continuou impassivo diante do questionamento. Suspirou, abriu o Whatsapp na conversa com Gilson e disse:
— Eu não sei direito como começar. Que mensagem mandar? Eu envio só “Oi”?
— Eu acho melhor não mandar mensagem. Se eu fosse tu, ligaria.
Fernando não disse nada, nem tinha pensado nessa possibilidade. Era meio assustadora, bem horripilante na verdade.
— Estão há anos sem falar nada, capaz de ele ignorar se mandar algo no Whats, igual tu fez com ele tempos atrás — continuou Gabriel. — Se ligar, ele vai achar que é uma emergência e atender na hora.
— Mas e o que eu digo?
— Tu é o vendedor aqui, isso deveria ser fácil para ti.
Fernando balançou o dedo indicador em negação.
— São situações diferentes!
— Só pensar que está tentando vender um relacionamento novo.
— Isso é idiota.
— Se funcionar não é idiota.
Alguns segundos de silêncio se passaram. Fernando olhava de Gabriel para o celular.
— Pode funcionar, mas me assusta o quão manipulativa é essa tua ideia.
— Enquanto tu estava ocupado fazendo pães, eu estudei profundamente as relações familiares Fernandísticas. Sou o único especialista disso no mundo.
— Deu para ver. — Fernando riu, mas a seriedade logo voltou ao seu rosto. — Estava pensando em perguntar como ele está. Talvez pedir para visitar a família… Não, esquece, é muito cedo para isso.
— Muito tarde, isso sim — rebateu o companheiro.
— Está bem. Vou ligar.
Fernando se levantou, foi até o quarto e fechou a porta. Abriu o contato de Gilson e ficou alguns segundos encarando o número. Fez a ligação.
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