Predadores: A Obsessão - Capítulo 31

Bárbara tenta fazer algo com sua frustração e tristeza pela morte de Igor

No último capítulo, acompanhamos a investigação de Dominique e Nicolas no território vazio, e seu encontro com o estranho predador de várias formas.

Agora, focamos em Bárbara e em como ela está lidando com a frustração e tristeza ocasionados pela morte de Igor.

Desenho monocromático. O desenho mostra o busto de Nicolas, um homem vestindo terno e uma corda de forca no pescoço como se fosse uma gravata. Ele está mostrando um grande sorriso, porém o restante de sua expressão não condiz com o sentimento, fazendo parecer um sorriso forçado e nem um pouco natural No canto superior esquerdo há o número trinta para indicar o capítulo.

Igor estava morto, e Bárbara estava trabalhando. Ela poderia dizer que não se sentia bem e ir para casa, mas o desconto viria na próxima folha, talvez até junto com sua demissão. Tentar um atestado lhe garantiria horas de descanso remuneradas, no entanto, os verdadeiros problemas surgiam no apartamento: a vontade de fazer nada, o ócio, os pensamentos que insistiam em lhe dizer para pegar seus pertences e sair dali, fugir da capital, escapar de tudo aquilo.

Por isso, em uma quarta-feira, mais de uma semana depois de confirmar a morte de Igor, Bárbara saiu do apartamento logo que pisou nele após o expediente. Pegou a Kawasaki e vagou pela cidade, passando pelos últimos minutos do horário de pico e entrando nas horas mais calmas da noite. Quando deu por conta, parou na frente do salão onde viu Igor pela última vez.

As luzes internas acesas, as duas vans no estacionamento e as portas fechadas indicavam se tratar de uma reunião mais privada. Talvez os organizadores estivessem discutindo o andamento do culto. Possivelmente até o tal Magno participava da conversa.

Largou a moto em um local mais afastado e se aproximou das grades fechadas do salão. Apesar dos indícios de ter pessoas lá dentro, Bárbara não ouvia nada. Imaginou todos no mais completo silêncio, apenas olhando um para o rosto do outro. Talvez pudesse ouvir algo se chegasse mais perto, porém isso era impossível com o acesso ao pátio trancado. Uma câmera no teto do salão que vigiava a entrada desencorajou métodos menos éticos.

Se afastou e observou os arredores. Não muito longe dali, e com uma boa vista da construção, estava uma lancheria chamada Bar do Ilineu. Bárbara aproximou-se, sentou-se em uma das mesas de plástico próximas da porta e pediu um podrão qualquer para comer enquanto matava o tempo. Minutos depois, um xis bacon oleoso, uma coca lata e um copo foram colocados na mesa.

Comeu, alternando o olhar entre o salão e a televisão. Ninguém prestou atenção nela, estavam todos assistindo ao jogo de futebol, bebendo um litrão e xingando os jogadores. Quase trinta minutos depois de acabar a partida, viu algum movimento dos cultistas. Cerca de dez pessoas saíram do salão e caminharam até as vans. Não houve despedidas amigáveis, tapinhas nas costas, nada disso, apenas entraram nos veículos e partiram.

Suspeito. Muito suspeito. Será que valeria a pena pular o portão e entrar à força? Quase riu com a ideia besta. Não fazia ideia de como arrombar uma porta, além do mais, com um portão alto daqueles todos veriam seu delito. Isso sem contar a câmera que poderia incriminá-la, mas isso era contornável colocando um capacete. O problema é que, para os observadores, alguém de capacete ali seria duplamente suspeito.

O que estava fazendo? Que besteiras estava pensando? Levantou-se, pagou pelo lanche e voltou para casa.

Jogou-se no sofá assim que entrou no apartamento. No fim das contas, só queria se distrair. Era perigoso, ainda por cima. Igor avisara das armas e dos coletes. Talvez aquele grupo também estivesse armado, e Bárbara não era resistente fora dos territórios. Por que membros de um culto andariam tão armados? Inclusive, ainda não descobrira a relação entre o culto e os territórios. Apenas uma coincidência infeliz?

Sentia-se usando antolhos, incapaz de visualizar qualquer outro assunto que não envolvesse Igor e o culto. Por que o último encontro com Igor teve que ser naquela situação estranha? Por que não um momento agradável, que poderia guardar com carinho no coração? Teve vontade de ver o apartamento do amigo mais uma vez. Descartou a ideia em seguida, era perigoso, ainda mais com o escândalo que fizera no outro dia. Mas havia uma forma discreta de entrar, não?

E se podia entrar no apartamento sem ser vista, por que não no salão? Pulou para fora do sofá, trocou de roupas e colocou o capacete. Partiu para o farol.

Viu, em um canto do interior da construção, algumas roupas e outra coisa dobrada que não conseguiu distinguir o que era. Ignorou esses detalhes, tinha outro objetivo no momento. Fechou os olhos e pensou no salão, lembrou-se do interior dele, das cadeiras, do púlpito. Quando os abriu, estava onde imaginara.

— Isso aí!

Arrependeu-se do grito na mesma hora. Estava se infiltrando, não passeando. Mais contida, olhou em volta. As luzes estavam apagadas, deixando entrar somente um pouco do luar através das janelas no alto, que servia apenas para deixar o salão em uma penumbra. Ligou a lanterna do celular, mirando nas fileiras de cadeiras e nas paredes. Como esperava, não havia ninguém sentado no escuro esperando por um invasor desconhecido.

Enxergou uma câmera em um canto do salão e ficou feliz por ter ido de capacete. Logo abaixo havia uma porta que, por sorte, estava destrancada, mas isso também significava que não teria nada de importante do outro lado. Entrou na sala adiante, pequena e vazia. Bastou dar dois passos em frente para ser avassalada pela sensação de perigo. Fechou os punhos e cerrou os dentes, olhando ao redor em busca de predadores, mas não havia nenhum. Quando entendeu, uma parte pequena de si desejou continuar ignorante. Era a mesma sensação do quarto de Igor, a mesma maldita sensação, multiplicada várias e várias vezes. Não foi apenas uma pessoa a ser raptada ali, foram dezenas. Sentiu um calor tomando as costas com os rastros do último predador. Eram frescos, de no máximo algumas horas.

Voltou para o farol e de lá para o apartamento. Pegou o celular e mandou uma mensagem para Nicolas.


Bárbara

Tem como forçar alguém a ser raptado por predadores?


Nicolas não respondeu, na verdade, nem marcou como entregue. O filho da puta respondia com precisão de um minuto cada mensagem e quando realmente precisava do infeliz, não estava disponível. Caminhou de um lado a outro, ligou a televisão e continuou caminhando. Até deixou o celular de lado para ver se conseguia acalmar-se. Não funcionou.

Quando a mensagem chegou, correu até o aparelho e leu a resposta.


Nicolas

Nunca ouvi falar disso. Descobriu alguma coisa?


Bárbara

Precisamos conversar

Pessoalmente


Nicolas

Vamos ao farol.


Quando chegou ao local, encontrou Nicolas e Dominique lhe esperando. Notou que as roupas dobradas no chão eram semelhantes às utilizadas pela idosa. Outra dúvida estranha para o dia, mas não importante o suficiente.

— Convidou Fernando também? — perguntou Bárbara.

— Não.

— Então como…

— Calhou de eu estar aqui nessa hora — interrompeu Dominique. — Nem sei do que se trata.

Se era assim, decidiu ir direto ao ponto.

— Eu acho que encontrei um local de sacrifício para os predadores — disse Bárbara. — Tem que ser isso.

— Calma, vamos do começo — disse Nicolas. — Como chegou nesse lugar?

Bárbara relatou sua investigação do culto, pulando apenas a parte que acabou indo lá por puro acaso e por não aguentar ficar em casa. Quando comentou que não conseguiu entrar e usou o farol como intermediário para invadir o salão, Dominique pareceu surpresa.

— Dá para fazer isso?

— Sim — respondeu Nicolas, com naturalidade.

— Tu já sabia?! — perguntou Bárbara. — Por que não disse nada antes?

— Achei que estava óbvio quando fomos ao apartamento do seu amigo. Além do mais, nunca imaginei que vocês fossem investigar esse tipo de coisa por conta própria, e não queria vê-los usando nossos poderes em atividades mundanas. Se alguém filmar ou bater fotos, seria um problema enorme.

— De novo escondendo coisas! Tem mais algo que sabe e não contou?

Dominique olhou para Nicolas, e por um momento, o olhar dos dois se encontrou.

— Tu também, Dominique? — A voz saiu como um rosnado. Afinal, estavam trabalhando juntos ou não?

— Eu abordarei o assunto neste sábado, é um trabalho em andamento. — Nicolas não parecia nem um pouco envergonhado. — Continue sua história.

— Vou mesmo! Mas depois é bom me contar tudo.

Bárbara continuou seu relato, não havia muito mais para contar e de repente se sentiu menos à vontade de falar com os dois. Ainda assim, eram uma equipe e precisavam se ajudar. Quando terminou, olhou para Nicolas e perguntou:

— Quais as condições para uma pessoa ser raptada?

— Não sei — disse ele, estalando a língua. — Tentei buscar relatos de pessoas que voltaram. Foi inútil. Eram histórias confusas demais e não se encaixavam. Não ajudou que todas estavam sempre sozinhas durante o ocorrido, então sem testemunhas.

— Bom, é uma condição para a lista.

— Uma tão abrangente que o mundo inteiro é vulnerável em algum momento do dia. — Nicolas balançou a cabeça. — Precisamos de algo mais sólido.

— Poderíamos ter algo mais sólido se as pessoas compartilhassem informações…

— Calma, calma — disse Dominique. — Estamos compartilhando agora, não?

— Eu estou compartilhando. — Bárbara suspirou, forçando a mente de volta ao assunto mais importante. — Acho que os cultistas descobriram isso e estão usando as pessoas como oferenda. Faz sentido, né?

— Não muito — respondeu Nicolas. — Chamar eles pode ser um erro se atacarem indiscriminadamente. Qualquer um estaria vulnerável, não só os sacrifícios.

— Por isso eu disse que eles sabem algo que não sabemos!

— Tudo bem, é uma possibilidade. — Estendeu a mão para Bárbara. — Me leve lá, vamos dar uma olhada.

Bárbara olhou para Dominique e recebeu uma negação em resposta. Segurou a mão de Nicolas e pensou na sala repleta de vítimas. Assim que chegaram, o homem tirou uma lanterna pequena do bolso e rumou até o centro da sala.

— Tem razão, são muitos. — Ele respirou fundo e demorou a soltar o ar. — Conheço alguns dos territórios, outros não.

— E o que tem isso?

Nicolas olhou na direção dela.

— Eles fazem isso há bastante tempo. Eu inclusive sinto o resquício do primeiro território que entrei. Conhecem sobre os predadores há mais tempo do que eu. — Sorriu. Bárbara não se lembrava de vê-lo sorrindo antes e não queria ver nunca mais. A visão da boca se alargando não combinava com o olhar gélido e morto. Era como se fosse o movimento de alguém que não sabia o que era felicidade.

— Então minha hipótese…

— Está correta. Eles sabem algo que não sabemos. — A expressão no rosto de Nicolas sumiu. — Se não me engano, o nome do fundador é Magno, correto?

— Sim, tu…

— Olhei no site deles quando você mencionou o culto. Fique de olho e me avise imediatamente quando ocorrer outro encontro parecido com o de hoje. — Ele coçou o queixo. — Se tiverem o mínimo de inteligência, mudarão o local. Terá que descobrir o novo também.

— O que vamos fazer quando tiver outro encontro?

— Extrair informações.

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