- Guilherme Lopes Lacerda
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Predadores: A Obsessão - Capítulo 33
O grupo arma uma emboscada para o culto da justiça
No último capítulo, Bárbara sequestrou seu chefe na empresa para extrair informações sobre encontros do culto da justiça.
Agora, sabendo que um galpão na avenida Ipiranga é o novo local de encontro do culto, o grupo arma uma emboscada para eles com o objetivo de descobrir mais sobre o envolvimento deles com os predadores.

Resumir sua rotina de trabalho depois de sequestrarem — esse era o termo certo — Maurício foi difícil. Se antes não conseguia focar por buscar um culpado pela morte de Igor, passou a não focar pelo peso da culpa. Conseguiram as informações que precisavam, mas ainda não podiam libertar o gerente.
Quanto mais parava para pensar nas suas ações, mais idiotas pareciam. O que fariam depois que tirassem informações dos outros cultistas? Não poderiam soltar Maurício, pois ele poderia avisar os cultistas e jogar a instituição contra os quatro. Nicolas pediu para ela não se preocupar, que daria um jeito de fazê-lo não se lembrar. Mas e se não funcionasse, o que fariam? Não podia deixar o chefe abrir a boca, e não queria pensar em quais ameaças Nicolas faria para mantê-lo quieto.
Tentou agir naturalmente durante o dia, mas uma coisa era pensar, e outra era fazer. Pegar o café às nove e quarenta era normal? Ouvir uma conversa sobre a ausência do gerente era suspeito? Trabalhar sem perguntar nada era incriminador? Não sabia dizer, tudo parecia errado. No entanto, nada ocorreu. Não foi acusada, observada com cautela ou cercada de policiais de um segundo para o outro. O superior de Maurício apareceu no setor para perguntar dele e só.
Saindo do expediente, foi até o lugar que o gerente lhes revelou ser um ponto de encontro importante. Era uma espécie de galpão no meio da Avenida Ipiranga, ignorável se estivesse por lá com qualquer outro objetivo. Passou algumas vezes na frente e, quando a lua já estava alta no céu, esperou durante um tempo do outro lado da avenida, deixando o Arroio Dilúvio entre ela e a construção. Não aconteceu absolutamente nada, e nem no dia seguinte. Usou a madrugada e suas preciosas horas de descanso na tarefa. Para piorar, o pouco tempo de sono que tinha era repleto de pesadelos, onde ela era cercada por cultistas, presa e entregue como oferenda a um predador.
Foram cinco dias de observação e zero acontecimentos. Até que, no meio da madrugada do sexto dia, viu algo. Uma van, muito similar à que enxergou certa vez no salão, estacionou na frente do galpão. De dentro dela saíram diversos homens e, mesmo à distância, era possível ver que estavam armados. Não entendia quase nada de armas, mas pareciam fuzis e espingardas.
O plano era notificar Nicolas da chegada dos cultistas e fazer o mesmo que fizeram com Maurício, mas naquele cenário não funcionaria. Um tiro bem dado era mataria Nicolas, não importasse quantas cordas tivesse ao seu dispor. Dominique também sofreria danos, e como não falaram nada com Fernando, poderia demorar horas até ele aparecer e curá-la. A única resistente ali era Bárbara, mas isso só nos territórios. Mandou uma mensagem para Nicolas.
Bárbara
Vá para o farol.
Não esperou confirmação. Os homens começaram a mover-se para o interior do galpão. Se entrassem, não teria mais oportunidade alguma. Pensou no farol, sentiu a mudança de ambiente ao seu redor, e logo em seguida pensou na entrada do galpão. Surgiu atrás de um dos cultistas. Ouviu gritos e, antes que o homem pudesse se virar ou que levasse uma saraivada de balas, Bárbara tocou-o e voltou ao farol.
Assim que o ambiente mudou, o cultista afastou-se dela, virou, mirou a arma e atirou. Sentiu o impacto dos projéteis contra seu corpo, a dor fulminante das balas de fuzil, mas resistiu a cada uma delas. O homem continuou atirando, sua face retorcida em pavor e empolgação enquanto os projéteis batiam no corpo de Bárbara sem penetrar a carne. Teria atirado até acabar a munição, mas Dominique lhe acertou um golpe na cabeça que o deixou estatelado e inconsciente no chão.
Repleta de rachaduras, todas partindo do peito e cabeça para os demais membros, Bárbara caiu sentada, cada centímetro do corpo doía e queimava como o inferno, mas estava viva. Pela primeira vez olhou bem para o cultista. Estava na faixa dos trinta anos, os braços pareciam toras e o rosto possuía o tom bronzeado de quem ficara anos trabalhando sob o sol. Usava roupas pretas diferente das que tinha visto nos cultistas até o momento, com botas de cano alto, calças cargo e um colete balístico.
— Por que não seguiu o plano? — perguntou Nicolas, logo ao surgir no farol.
— Estavam todos armados! — A resposta de Bárbara saiu como um rosnado, a dor alimentando sua raiva.
— Não estou te reprimindo, apenas perguntando. — Nicolas pegou a arma no chão. — Armamento pesado demais para carregar por aí. — Começou a caminhar para o exterior. — Vou jogar isso fora.
Voltou alguns minutos depois, carregando uma cadeira de praia. Ele e Dominique ergueram o homem, o colocaram na cadeira e depois inúmeras cordas surgiram, restringindo seu mais novo sequestrado.
— Onde está Maurício? — perguntou Bárbara.
— Do lado de fora — disse Dominique. — Deixamos ele bem longe daqui para não ouvir ou ver nada do que acontecesse.
— Esperavam algo incriminador ocorrer?
— Quanto menos detalhes ele souber, melhor — respondeu Nicolas. — Se ele levar o que já sabe ao culto vamos ter muitos problemas.
O cultista acordou minutos depois, gemendo e falando da dor na cabeça. A reclamação não durou muito, pois assim que seus olhos pousaram nos três, ficou em alerta e tentou escapar. Era mais ativo que Maurício, mas um pouco mais burro também. O que faria se escapasse? As cordas resistiram ao esforço, mas não a cadeira, que de tanto balançar, tombou e fez o homem bater a cabeça no chão.
— Filha da puta! — berrou ele.
— Quando parar com essa tentativa inútil, conversaremos — declarou Nicolas.
O homem os encarou.
— Falar? Sobre o quê? Vão me matar mesmo. — Era com naturalidade que ele declarava isso, sua voz não titubeava.
— Vamos? — perguntou Bárbara, olhando para Nicolas.
— Claro que não — respondeu Dominique.
— Não estou falando de vocês, estou falando do culto.
— Explique — pediu Nicolas, dando um passo à frente.
— Que tal me levantar primeiro? Muito ruim falar assim.
Nicolas gesticulou para Dominique, que se aproximou da cadeira e colocou-a de pé. O homem sorriu.
— Tu é forte vovó.
Que figura tinham capturado?
— Então… — começou Nicolas.
— Vou abrir o jogo, eu não faço bem parte do culto. Sou mais um contratado, sabe? Alguém para garantir que todos os voluntários atirem no lugar certo.
— Tipo um instrutor? — perguntou Dominique.
— Isso! Inclusive, eu sou um instrutor de clube de tiro também. — Parecia mais e mais que o cara tinha usado substâncias diferenciadas logo antes. — Só que em vez de treinar em alvos parados, meu trabalho é fazer com que mirem e atirem nas aberrações.
— Com aberrações, você quer dizer os predadores?
— Sei lá, eu chamo de aberrações.
— Então eles te mandam para lá sem dizer nada? — Dominique olhou para Nicolas. — Isso está muito estranho.
— Vamos ser diretos aqui. — Nicolas aliviou o aperto no pescoço. — O que vocês iam fazer hoje no galpão?
O homem alternou o olhar entre todos antes de responder.
— Não vou falar sem antes fazer um trato. Quero que garantam minha segurança depois de me liberarem.
— Negativo. O que podemos fazer é te deixar em um local bem distante, assim vai ter como fugir dos cultistas.
— Não sei, não parece muito bom.
— Suas opções são ficar quieto e ser largado no galpão, ou nos falar tudo e ser largado longe.
O homem deu de ombros.
— Tudo bem, podem disparar suas questões. Um de cada vez, e levantem a mão antes.
— Por que o culto vai te matar, afinal? — perguntou Dominique.
— Para garantir que eu não tenha voltado como um espião.
— E por que aceitou o trabalho? Não era melhor ficar na sua? — perguntou Bárbara.
— Eles me pagam uma bolada! Vivo como um rei há dois meses, e só trabalho duas vezes na semana. — Ele riu. — Duvido que não aceitariam um trabalho sujo por uma grana boa.
Bárbara suspirou. Toda a sua investigação e tempo de espera resultaram em pegar o mais escroto do grupo. Seu pé estava coçando para juntar a sola da bota com o rosto do homem.
— Cuidem disso, eu vou esperar lá fora.
Saiu do farol e esperou sentada na grama. Não conseguiu ver nem sinal de Maurício pelas redondezas. Pensou em procurá-lo, mas para quê? Qualquer conversa que os dois tivessem seria desagradável, e não era capaz de ajudá-lo em nada, tampouco convenceria o homem a ficar de boca fechada.
Quase trinta minutos se passaram até que Nicolas e Dominique saíram do farol. Dominique tinha uma expressão preocupada, enquanto Nicolas parecia, era difícil definir com exatidão, empolgado.
— O que descobrimos? — perguntou Bárbara.
— Eles selecionam os mais fervorosos do culto para lutar contra predadores. Metem umas armas em suas mãos e ensinam o básico antes de jogá-los nos territórios — respondeu Nicolas.
— Parece estupidez…
— E é — disse Dominique.
— Eles nem sabem como vão parar lá — complementou Nicolas. — Apenas desligam todas as luzes no galpão, dão as mãos e alguém os transporta para o território.
— Como assim alguém? Alguém quem? — perguntou Bárbara, estranhando a explicação.
— Não sabemos, e ele também não. — Nicolas parou de falar, pensativo.
Após um tempo de silêncio, Dominique continuou a conversa.
— Aparentemente a razão disso não é eliminar o originador, apenas querem explorar o território antes de mandar um grupo de elite. E o território de hoje é especial, parece que tentam destruí-lo faz quase cinco meses e não conseguem. — Dominique olhou para o farol de relance. — Isso se ele falou a verdade.
— Não saberemos até ir lá — disse Nicolas.
— Vamos? — perguntou Bárbara, surpresa. — Por quê?
— Duvido que o objetivo do culto seja somente a eliminação de originadores, tem algo a mais. O modus operandi deles é estranho, se querem salvar as pessoas, por que as usam como bucha de canhão? Por que juntar um culto com uma milícia? Se fosse só por influência ou dinheiro, não precisaria envolver os predadores. — Nicolas ajeitou a corda no pescoço. — Desconfio que descobriram algo especial sobre os territórios, e esse de hoje possui algo muito valioso.
Bárbara cruzou os braços, os pelos arrepiando.
— Pode até ter… porém estão tentando há meses, não vai ser fácil.
— Estamos mais preparados agora, usamos melhor os nossos vestígios. E se deixarmos a oportunidade escapar, quem sabe quando aparecerá novamente?
— E quanto ao culto? Não era para descobrirmos mais sobre eles?
— Uma coisa leva a outra. Além do mais, com mais conhecimento, mais vantagem teremos.
Bárbara assentiu devagar, um tanto desconfiada das palavras de Nicolas.
— O que faremos?
— Preciso levá-lo de volta ao galpão agora. — Nicolas olhou para o topo do farol.
Bárbara não disse nada, e nem precisou, Dominique leu seu rosto e respondeu por Nicolas:
— Eles estão mandando pessoas para a morte certa. Quantas vezes nós, que somos feitos para isso, quase morremos? Agora imagine mandar pessoas que mal sabem empunhar uma arma? — Cada palavra era cuspida com um ódio que nunca vira na idosa. — Fazer um acordo com esse tipo de gente não vale a pena, é melhor pecar pela mentira do que ajudar alguém assim.
— Ele não era só um peão?
— Um peão que sabia muito sobre as operações e chance de sobrevivência. Aquelas pílulas que temos para fugir, sabe quem era o único que tinha? Ele!
— De qualquer forma, esse sábado vamos explorar o território. Vou chamar Fernando também.
— Não teria sido bom avisar ele de tudo isso antes?
— Ele pediu um tempo — disse Nicolas, pegando o celular. — Deve estar ocupado com outras coisas.
Era bom ver que pelo menos alguém no grupo tinha uma vida que não envolvia predadores ou cultistas. Quem dera a sua fosse tranquila assim, alguns problemas com a família ali, outros com dinheiro aqui. Nada que envolvesse desaparecimentos, mortes e sequestros. Era inveja pura, sabia disso. Ela também tinha problemas com a família, mas, diferente de Fernando, não se preocupava com isso, não mais.
— O que nós faremos até sábado? — perguntou ela.
— Eu vou checar o galpão, quero sentir o território e sua localização agora que estará vazio.
— Acho que você deveria tirar esses dias para descansar — disse Dominique. — Sem ofensas, mas parece que foi pisoteada por um cavalo.
— É… descansar seria bom.
Não seria, descansar a deixaria sozinha com seus problemas. Mas o que mais faria? Tinha de reconhecer que estava exausta além do limite. Pensamentos iam e vinham, sem receber a devida atenção e sem chegar à conclusão alguma. Talvez, com o nível de cansaço que estava, bastaria deitar-se que apagaria, sem que fosse atormentada por nada.
Despediu-se, voltou para seu apartamento e caiu no sofá. Só então lembrou-se de perguntar quando liberariam Maurício. Pegou o celular e tentou digitar uma mensagem para Nicolas, mas as pálpebras fechavam o tempo inteiro, os dedos erravam todas as letras. Desistiu, largou o celular e dormiu.
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