- Guilherme Lopes Lacerda
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Predadores: A Obsessão - Capítulo 34
A última parte do passado de Nicolas
Pela última vez, voltamos ao passado de Nicolas em Predadores: A Obsessão. Anteriormente, ele conseguiu escapar do território com a ajuda de Rafael.
Agora, tendo sobrevivido ao suicídio e aos predadores, ele busca entender o que aconteceu e definir o que fará dali em diante. No processo, uma certa presença o encontra.

Alguns meses antes…
Sentou-se com um solavanco. O coração aliviou o ritmo das batidas quando percebeu estar em seu lar. Ainda se acalmando, olhou para cima viu a corda arrebentada ou cortada, não sabia dizer. O nó em volta de seu pescoço não incomodava, mas o tirou mesmo assim. Em uma tentativa de organizar sua mente, dobrou a escada caída e a colocou em pé, apoiada na parede. O movimento o fez notar o quanto sua pele e axilas estavam grudentas e fedidas. Foi direto para o banho.
Estava vivo novamente, ou seria pela primeira vez? O que era aquele lugar? O que eram os predadores? Rafael e suas respostas vagas lhe deram um ponto de partida, uma direção na qual seguir. A água botou a cabeça em ordem, as engrenagens quase enferrujadas voltaram a girar.
Saindo do banheiro, resolveu cuidar de si, afinal, um corpo fraco possuía intelecto limitado. Olhou para o celular, sem mensagem ou notificação alguma, mas não queria isso, estava interessado no relógio que indicava o meio da madrugada. Sem a possibilidade de tele-entrega, foi até a geladeira e pegou pedaços velhos de presunto e queijo, além de um pão de forma vencido. Após se alimentar, foi ao escritório.
Ligou o notebook e começou a pesquisa. Foi atrás de matérias jornalísticas e artigos, buscando por termos como “predadores”, “território de caça” e “rua infinita”. Nada relevante apareceu. Tentou mais termos e outras linguagens. Sem sucesso, abandonou os jornais e começou a ir atrás de qualquer fonte, por mais duvidosa que fosse. Encontrou blogs de conspirações e teorias sem sentido algum, falando besteiras a cada parágrafo, mas nenhum lugar lhe deu as respostas que precisava. Passou por páginas e mais páginas de discussões em fóruns. Nada.
Empurrou a escrivaninha com as mãos, fazendo a cadeira de rodinhas deslizar para trás e bater com o encosto na parede. Onde conseguiria suas respostas? Passou a mão pelo pescoço, o sulco deixado pela corda se destacava ao tato. Poderia ir para lá de novo usando o mesmo método? Balançou negativamente a cabeça. Sobreviver uma vez foi sorte, não podia contar com ela para sempre, era arriscado demais.
A possibilidade de ser tudo um delírio de repente pareceu mais sensata e provável. Crianças monstruosas, uma rua que não fazia sentido e um atirador risonho. Pegou esses pensamentos e ignorou-os. Não tinha como ser um sonho, foi tudo tão palpável, tão memorável. Além do mais, queria que fosse real.
Um bocejo lhe fez se levantar para preparar café. A cafeteira elétrica fora vendida semanas antes, mas manteve um grande estoque de café solúvel. Desistiu da ideia ao ver o sol do meio-dia. Empacou em problemas que não poderia resolver sem descansar primeiro. Fechou as cortinas do quarto, deitou-se na cama e se cobriu com os lençóis. Horários estranhos, problemas complicados e situações esquisitas, até parece que voltara a trabalhar. Não demorou para seu corpo se render.
Acordou na escuridão do quarto e conforto da cama, mas não conseguiu se mexer. Os olhos inspecionaram o cômodo na medida do possível, mas nada viram. O corpo estava pesado demais para mover-se, ou simplesmente ele próprio estava fraco, não soube dizer. Algo se aproximou e se sentou na beirada da cama. O colchão afundou sob o peso e tamanho do visitante. Sentiu-se no meio da uma multidão, com todos os presentes direcionando o olhar para ele.
— Você está fazendo perguntas importantes. Nós observamos você e sua rápida viagem. — Diversas vozes falaram em uníssono.
Nicolas tentou dizer algo, mas as palavras ficaram seladas na garganta por uma língua e boca desobedientes.
— Para entender aquele lugar, você precisa primeiro entender as pessoas como um conjunto. Isso não é difícil. Pense conosco, o que diferencia os humanos dos demais animais?
Uma pausa.
— Você pode ter pensado em consciência e inteligência, mas todos possuem isso em um nível ou outro. A diferença é outra, criada ao longo do tempo pelos próprios humanos. — Nicolas notou que o uníssono consistia de vozes de homens e mulheres. — Vocês avançaram de forma que nenhum animal foi capaz, criaram uma sociedade robusta e, ao mesmo tempo, frágil, aumentaram a expectativa de vida e entraram em uma era de relativa paz. Mais uma vez, o que diferencia os humanos dos demais animais?
Outra pausa.
— Progrediram tanto e conseguiram o feito de regredir em igual escala. Se deixam escravizar por si mesmos, não tomam as rédeas da própria vida e se definem pelo que os outros decidem. — Notou como o uníssono continha vozes de crianças também. — Se acorrentaram na sociedade, perderam liberdades importantes, perderam propósito. Assim como você, muitos outros escolheram o suicídio como saída. Decisão admirável, que requer uma coragem e força que poucos possuem. Agora ponha todos esses sentimentos em escala mundial. Todos pensam nisso, mas poucos entendem no que estão pensando.
Mais uma pausa.
— Sentimentos são poderosos, mais do que vocês lhe dão crédito. Seu próprio conceito de certo e errado é nada mais que um amontoado de sentimentos. Em escala tão grande, tão pesada, os humanos inconscientemente criaram a saída para os problemas: um propósito. — Vozes roucas e fanhas, graves e agudas, finas e grossas, todas vindo de um único lugar, entrando nos ouvidos de uma vez só. Nicolas sentia-se no meio de uma rua movimentada onde todos falavam com ele ao mesmo tempo. — Uma dimensão separada e próxima, seres diferentes e, ao mesmo tempo, iguais. Humanos criaram seus próprios predadores, uma existência capaz de destruí-los. Você foi atrás de respostas e nós lhe daremos uma única dica: olhe em volta. Verá que os predadores estão agindo. Por enquanto são lentos, ainda estão engatinhando. Porém tenha em mente que a criança logo aprende a correr e é bom que estejam preparados quando ela falar.
Sentiu o peso extra na cama sumir e então a força voltou aos seus membros. Levantou-se e ligou a luz, encontrando o quarto fechado e sem sinal de ninguém. O que foi aquilo? Quem acreditaria em um discurso tão idiota e fantasioso?
Mesmo diante de tamanha baboseira, não foi capaz de conter o sorriso tomando seus lábios. Tinha algo em que se concentrar e, se quisesse progredir no seu novo objetivo, precisaria mudar. Para melhor desta vez.
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