Predadores: A Obsessão - Capítulo 35

Fernando e o grupo entram no território explorado por Magno

No último capítulo vimos o restante do passado de Nicolas.

Agora, de volta ao presente, Fernando e o grupo entram no território que estava sendo explorado por Magno, e se deparam com um estranho condomínio.

Desenho monocromático. Nele estão representados um sol e uma lua cheia. O sol possui um rosto solene e contente desenhado no meio, já a lua possui um rosto resignado No canto inferior direito do desenho há o número trinta e cinco para indicar o capítulo.

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Fernando colocou a mochila nas costas, sentindo seu peso estranho e desconfortável. Os olhos passaram das alças para o rosto de Gabriel, contorcido em preocupação. Sempre foi ruim entrar em um território, dessa vez não era diferente, porém tinha um peso a mais em seus ombros. Estava fazendo progresso com sua família e, não fosse pela mensagem de Nicolas, sua noite encerraria com um jantar na casa da mãe.

— Vai dar tudo certo — disse Gabriel, abrindo um leve sorriso. — Tu mesmo me disse que na última vez saíram melhor que o esperado.

— Tenho medo que isso nos deixe confiantes demais.

— Melhor que ficarem todos amedrontados e colapsarem no primeiro obstáculo. — Gabriel botou as mãos em seus ombros e aproximou o rosto. — Não vou me estender para não dar uma de coach quântico aqui, mas tu é forte, o homem mais forte que eu conheço. Sei que vai dar tudo certo.

— Obrigado. — Fernando sorriu. — Só por dúvida, quem é a mulher mais forte?

— Essa seria minha mãe. Campeã indisputável.

Os dois riram. Sim, estavam receosos, porém o melhor a se fazer era encarar a preocupação com bom humor, em vez de afundar-se em sentimentos negativos. Fernando despediu-se de Gabriel com um beijo e foi para o farol.

Encontrou todos lá, esperando-o. Olhou primeiramente para Bárbara. O último encontro do grupo tinha terminado da pior forma possível, mas o rosto da motoqueira não demonstrava mais fragilidade ou tristeza, parecia uma máscara inabalável de determinação. Quanto daquilo era fingimento e quanto era real?

— Mais um território, então? — perguntou Fernando, voltando-se à Nicolas.

— Sim, um pouco diferente dessa vez. — O líder colocou-se no meio do grupo. — Descobrimos que o culto da justiça com que Bárbara se envolveu antes está enviando pessoas para diferentes territórios.

— Pera! — Fernando levantou uma mão. — Quando descobriram isso?

— Investigamos bastante nas últimas semanas — respondeu Bárbara. — Eram suspeitos demais para deixarmos de lado.

— E ninguém pensou em me avisar antes?

— Você me mandou mensagem pedindo para dar um tempo. — Nicolas olhou algo no celular. — Estávamos respeitando seu desejo.

Fernando grunhiu em resposta.

— Continuando. Não sabemos exatamente porque estão fazendo isso, sendo que a chance de sucesso para pessoas normais é baixíssima, então um de nossos objetivos será entrar em um dos territórios de despacho e investigar. Se acharmos um membro do culto, a prioridade é voltar para o farol com ele.

— E o originador? — perguntou Fernando.

— Melhor deixarmos de lado.

— Mas o eliminaremos na semana seguinte, certo? — perguntou Dominique.

— Tentaremos.

Nicolas passou os olhos pelo grupo, então entregou uma pílula de escape para cada um. Fernando e Dominique pegaram as suas sem questionar.

— Temos uma sobrando ainda — comentou Bárbara, antes de pegar a sua também.

— Sim, mas talvez tenhamos que trazer um cultista ao farol. Se nos separarmos, deem um jeito de deixá-lo inconsciente e dar a pílula. — Ele ficou um momento em silêncio. — E, também, eu precisava de uma desculpa para encontrar o fornecedor.

— O que queria com ele? — perguntou Fernando.

— Aliás, quem é o cara? — questionou Bárbara, franzindo o cenho e elevando o tom de voz.

— Apenas um homem que me ajuda de vez em quando. Queria ver se ele tinha informações dos cultistas, já que eles também possuem essas pílulas.

— E? — pressionou Bárbara.

— Nada. Devem conseguir direto com o produtor.

— Isso está me embaralhando a cabeça — disse Dominique. — Sabemos quem é o produtor?

— Não, só sei que é alguém com um vestígio. Igual a nós.

— E pelo jeito um grandessíssimo filho da puta — reclamou Bárbara. — Onde já se viu dar essas coisas para um cultista?

— Talvez ele não saiba quem são seus compradores? — sugeriu Dominique. — Ou talvez estejam mentindo.

Fernando ficou olhando para a pílula branca em sua mão. Nunca tinha parado e pensado no seu funcionamento, apenas aceitara sua efetividade. Como era feita? Por que o produtor criava aquilo?

— Mais alguma pergunta? — disse Nicolas.

Ninguém abriu a boca. Fernando olhou para Dominique e depois Bárbara. Algo estava diferente nas duas e ele não sabia dizer o quê. Talvez fosse o simples peso do que faziam agindo sobre elas, mas não parecia ser o caso.

Sentiu-se mal por ter se afastado. Deixou Bárbara na mão lidando com a morte do amigo. Não, ele precisara da pausa, se tivesse a possibilidade de ir a um território, usaria isso como desculpa para não entrar em contato com a família. Não se arrependeria de sua escolha.

Nicolas estendeu sua mão e os demais fizeram o mesmo. Um instante depois, foram transportados para o pátio de um condomínio de edifícios. Estavam no meio de uma trilha de pedras de basalto entre a porta de entrada para um prédio e o que deveria ser a saída, porém era apenas um muro de vidro fumê com mais de cinco metros de altura que cobria os arredores do condomínio. Não era possível ver nada que estivesse fora do terreno. Diferente dos outros territórios hostis em que tinha entrado, Fernando notou que poderia sair desse quando quisesse.

Também sentiu algo a mais, um tique-taque que tocava somente quando não se prestava atenção. Junto a ele, uma sensação estranha de familiaridade, como se já tivesse estado no território. Talvez fosse a brisa que percorria o terreno, talvez a porta de madeira do prédio. Era como se estivesse tendo o mesmo sonho pela segunda vez.

— Deixa comigo — disse Dominique, tirando-o de seus pensamentos.

A idosa aproximou-se mais do muro e saltou como se o corpo não pesasse mais que uma pena, subindo vários metros no ar e aterrissando no topo da divisa. Incapaz de fazer algo sequer parecido, Fernando direcionou seu olhar para outros pontos, notando os demais prédios no condomínio. O restante do pátio estava tomado por grama curta e amarelada, não havia mais trilhas levando do muro à entrada nos demais edifícios e, com exceção daquele em que estavam à frente, todos tinham um ar de incompleto. Alguns andares tinham quatro janelas, enquanto em outros havia um espaço vazio entre elas, a pintura era irregular e a estrutura deformada nos cantos. É como se a construtora tivesse esquecido de partes do projeto e deu como entregue mesmo assim. A única caraterística que todos tinham em comum eram os mais de vinte andares que cada prédio possuía, tornando impossível de visualizar o topo estando logo abaixo.

— Nada demais aqui, só carros indo de um lado para outro. — A voz de Dominique levou a atenção de Fernando de volta ao grupo.

— Algum sinal de pessoas? — perguntou Nicolas.

— Não, e agora que falou… os carros parecem vazios, também.

— Então desça.

Ela obedeceu, saltando de costas para eles, dando uma pirueta no ar e caindo com os braços abertos em frente à Bárbara. O movimento foi tão fluído que Fernando quase questionou se Dominique não estava fazendo ginástica no tempo livre.

Andaram até os outros prédios, mas nenhum deles tinha uma porta de entrada, obrigando-os a voltar para a frente do primeiro e entrar nele mesmo. Depararam-se com um corredor simples, havia elevador de portas abertas no lado direito e uma escadaria no esquerdo. Entrando na cabine deu para ver que o painel tinha somente um botão para o térreo e um para o sexto andar.

— De novo isso de elevador? Não aguento mais. — Bárbara voltou para o corredor. Os demais a seguiram.

— Será que vai ser algo parecido com o outro território? — perguntou Fernando.

— Com cada lugar sendo diferente, eu duvido. — Nicolas olhou na direção da porta de saída, e em seguida para a escada. — Seria muito fácil se tivessem soluções semelhantes.

Subiram e, ao passarem pelo primeiro lance de escadas, viram uma placa indicando que estavam no sexto andar. Bárbara soltou um grunhido baixo.

— Por que não tentamos subir mais? — disse Fernando ao notar mais um lance de escadas para cima.

Tentaram diferentes formas de subir e descer. Deixar alguém parado enquanto subiam apenas fazia com que o encontrassem quando venciam o lance de escadas, e sempre que desciam acabavam no térreo. Sem muita opção, seguiram pelo corredor comprido e cheio de portas do sexto andar, cada uma adornada com números indicando o apartamento. No entanto, ao se aproximarem de uma porta, notaram que era uma pintura detalhada e bem-feita, a ponto de enganar não importasse o ângulo de observação. Só conseguiam distinguir desenho de realidade ao chegarem bem perto.

Testar cada uma das entradas se provou rápido, apesar de frustrante. Havia apenas uma verdadeira no meio de tantas.

— Não gosto disso, estamos sendo guiados para cá — comentou Bárbara.

— Pelo menos sabemos que outras pessoas no território entraram aqui — disse Nicolas. — Não faz sentido vir matar um predador e não seguir esse caminho.

— Ainda assim, não gosto de seguir os planos de aberrações.

Bárbara olhou para cada um do grupo, recebendo um aceno de confirmação de todos, colocou a mão na maçaneta e abriu a porta. Fernando tensionou o corpo enquanto o interior do apartamento era revelado, esperando qualquer coisa, desde monstros horríveis até pessoas mortas, mas tudo que viram foi uma sala vazia com paredes cinza claro, chão de azulejo bege e uma porta em cada parede. No teto do local havia uma espécie de televisor que alternava sua imagem entre um desenho caricato do sol e um da lua, ambos com um exibindo um rosto de olhos fechados. De alguma forma, mesmo sem lâmpadas, era um cômodo bem iluminado. Fernando soube que, ao entrar ali, não poderia mais voltar ao restante do prédio.

— Trouxemos as pílulas para isso — disse Nicolas. — Vamos continuar.

Foram até o meio da sala, ficando bem abaixo do televisor. Ao que tudo indicava, sol e lua eram as únicas imagens que ele era capaz de transmitir. Nicolas deu um passo na direção da porta da parede da frente, e uma batida soou atrás do grupo.

Dominique e Bárbara se reorganizaram em meio segundo, posicionando-se entre o grupo e a origem do som. Felizmente não havia predadores atrás deles, e também não existia mais a porta de entrada. No lugar dela estava apenas a parede cinza.

— Eu já esperava algo do tipo — comentou Bárbara, olhando para Fernando e relaxando os punhos. — Só não precisava do barulho.

Fernando alternou o olhar entre Bárbara e o local onde estivera a entrada.

— Se tivéssemos segurado a porta, será que ela ainda sumiria? Não faz muito sentido ela bater se só pode desaparecer.

— Talvez devêssemos deixar alguém segurando a porta de salas que passarmos, só por garantia. — Ela virou-se na direção de Nicolas. — O que acha?

O homem ficou parado durante segundos, observando uma das saídas que restavam. Aproximou-se dela em seguida e observou-a por um momento. Finalmente respondeu:

— Pode ser uma boa ideia, mas primeiro precisamos descobrir o destino de cada uma.

Nicolas repetiu sua inspeção nas duas outras portas que, aos olhos de Fernando, pareciam iguais. Por fim, o líder se aproximou do grupo e confirmou essas suspeitas.

— Por que não abrimos qualquer uma, então? — perguntou Bárbara. — Se não sabemos o que tem do outro lado, basta olhar e ver.

— Esse território é mais perigoso que os demais — respondeu Nicolas.

— Também não podemos ficar parados aqui esperando uma ideia mirabolante — disse Dominique. — Acho que teremos que nos arriscar até entendermos tudo.

Fernando assentiu, concordando com a idosa. Era até estranho que eles estivessem pressionando Nicolas a agir com menos cautela. Acontecera algo durante o tempo em que estivera ausente? Como sempre, era difícil ler as expressões do líder para tirar conclusões.

— Tudo bem. — Nicolas olhou na direção da porta à esquerda deles. — Seguiremos com essa estratégia.

Bárbara caminhou até a porta e colocou a mão na maçaneta. Houve um momento em que Fernando achou que a mulher tinha congelado, mas então ela abriu a porta de supetão. Imediatamente, as outras duas saídas do cômodo desapareceram sem deixar rastros. A motoqueira olhou do caminho adiante de si para a sala em que estavam e disse:

— Por essa eu não esperava.

— Só significa que não podemos mudar nossa escolha — disse Nicolas, caminhando até Bárbara.

— E que escolha foi essa?

— Acho que só descobriremos com o tempo — respondeu Dominique, indo atrás de Nicolas.

Fernando seguiu-os. O grupo atravessou a porta e chegou em um corredor estreito e comprido. Havia o televisor no teto e as três portas dispostas em cada parede se repetiam. Seria igual, não fosse os quadros ao lado de cada saída. Cada um deles continha um papel com linhas desenhadas na horizontal e vertical, dividindo a folha em quadrados minúsculos. Alguns desses quadrados estavam coloridos e, olhando o desenho como um todo, formavam a imagem de um monstrinho.

— Isso é… pixel art de Pokémon? — perguntou Bárbara.

— É bonitinho. Já vi um dos meus netos fazendo algo parecido — comentou Dominique, seu tom de voz mais baixo que o normal, quase tímido. — O que isso quer dizer?

— Eu sei lá! Esse lugar não está fazendo sentido nenhum, menos que o normal.

— Charmander, Bulbasaur e Squirtle. Talvez a gente deva escolher o que mais gostamos? — arriscou Fernando, atraindo o olhar do grupo.

— Ou que, novamente, só temos uma escolha. — Nicolas alternou o olhar entre os desenhos. — A não ser que abramos múltiplas portas ao mesmo tempo.

Seguiram com essa ideia, a começar com duas simultaneamente. Bárbara ficou com a porta Bulbasaur, Dominique com a Charmander, Nicolas e Fernando ficaram entre as duas, prontos para oferecer suporte ao menor sinal de perigo. O líder iniciou uma contagem até três e, em seu término, as duas mulheres abriram as portas.

Não houve um piscar de luzes, ou um momento em que desvaneceram, não houve sequer uma chance de ajudá-las. Em um instante, Bárbara e Dominique desapareceram junto com as saídas recém-abertas, deixando Fernando e Nicolas sozinhos no corredor e com apenas a opção do Squirtle.

O coração de Fernando acelerou. Todo o relativo bom humor dos últimos minutos sumiu junto com as duas. Fernando pegou uma das pílulas de escape e colocou na boca, vendo Nicolas fazer o mesmo. Pensou no farol e em se reunir com as duas colegas. Inicialmente não fechou os olhos, sabendo que era desnecessário, porém, quando nada aconteceu, cerrou as pálpebras e fixou a imagem do farol na cabeça. Sentiu um puxão, o ambiente prestes a mudar. Abriu os olhos e se viu no mesmo lugar com Nicolas ao seu lado. A pílula não funcionou.

De repente, uma voz ressoou no corredor. Rouca e cansada, como se tivesse passado os últimos dias falando sem parar.

— Fugir não é escolha válida.

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