- Guilherme Lopes Lacerda
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Predadores: A Obsessão - Capítulo 36
Bárbara e Dominique exploram o território do apartamento
No último capítulo de Predadores: A Obsessão, o grupo adentrou um território composto de um prédio repleto de apartamentos e, logo que começaram a avançar, acabaram separados.
Agora, Dominique e Bárbara exploram sozinhas os diferentes cômodos do estranho apartamento que entraram enquanto buscam uma forma de reencontrarem os outros membros do grupo.

— Que ideia de merda essa do Nicolas.
Bárbara escancarou a porta recém-aberta com um pontapé, revelando um salão enorme. Ele começava com uma escada reta para um nível superior, sem proteções ou corrimão, e após alguns passos dividia-se com uma parte seguindo para o lado direito e outra em frente. As ramificações, por sua vez, dividiam-se em mais caminhos, para cima e para baixo, que em seguida faziam o mesmo, criando um labirinto de degraus.
Antes que Dominique pudesse analisar onde cada destino levava, Bárbara virou em sua direção e perguntou:
— O que faremos agora?
— Eu não sei. — Olhou para onde estivera sua porta alguns momentos antes. Tentaram coordenar uma abertura conjunta, mas, talvez por questão de milésimos, a de Bárbara foi aberta antes e permaneceu existindo.
— Sei que tu andou bastante com Nicolas, ele não deu nenhuma ideia do que fazer nessas situações?
Sim, eles interagiram mais e, sim, Nicolas conversou sobre os predadores com Dominique. Mas eram muito mais fatos e pontos filosóficos do que estratégias a serem aplicadas em situações emergenciais. Além do mais, as pílulas eram o escape definitivo, ou deveriam ser. As duas engoliram as cápsulas assim que os companheiros desapareceram, mas não houve efeito algum além de uma voz estranha ressoando no lugar.
Voltou a atenção para o salão de escadas. Adiantaria somente avançarem? O que mais as esperava? Teriam alucinações como no território de carne? Seriam sequestradas como no hospital? Ou enfrentariam hordas de inimigos como no metrô? Nenhuma daquelas opções era a correta, não pareciam se encaixar.
— Acho que não nos resta muita alternativa além de seguir em frente, mas antes podemos tentar abrir um buraco, o que acha?
— Boa ideia! Tu consegue? Eu estou… Bem, sem gás.
— Vou ter que tentar.
Dominique tocou a parede, sentindo a textura da estrutura. Parecia normal, sem nada que a reforçasse. Assumiu a postura adequada com pé esquerdo na frente, pé direito atrás e base firme, conforme viu em um vídeo que Nicolas mostrara. Girou o tronco ao mesmo tempo em que socou com o braço, um movimento longe de estar perfeito, mas Dominique não queria se tornar pugilista nem nada do tipo, então serviria por enquanto. O punho atingiu a parede com velocidade e força suficientes para matar qualquer criatura viva, mas a estrutura em si nem se abalou. O estrago mesmo foi feito na idosa, os ossos quebraram-se em fraturas que romperam a pele e marcaram a parede com sangue.
— Dominique! Que merda! Tu… Isso… Porra a gente devia ter pego uns pães com Fernando antes!
— Está tudo bem, nem está doendo.
E era verdade. Já esperava que não fosse capaz de abrir um rombo, ou que isso a afetasse no processo, portanto, eliminara a sensação de dor pelo corpo. Isso fazia com que se sentisse em um estado dormente, como se cada membro pertencesse a uma pessoa diferente e ela fosse uma espécie de Frankenstein.
Olhou para o punho, juntou os pedaços dos ossos e recuperou a pele. Em alguns segundos era como se nada tivesse acontecido, somente a mancha de sangue seco destoando do resto da pintura denunciava o ocorrido.
— Desde quando tu faz isso? — perguntou Bárbara.
— Aprendi truques novos — respondeu a idosa, com um meio sorriso.
— Queria eu ter aprendido algo também…
— Dessa vez eu consigo.
Reposicionou-se, reforçando mais seus músculos e envolvendo seu punho e antebraço em um exoesqueleto esbranquiçado com uma fina camada esponjosa antes de chegar no seu braço propriamente dito. Serviria para amortecer parte do impacto e impedir sua mão de arrebentar com o golpe.
Socou dando tudo de si, sentiu o exoesqueleto rachar assim que entrou em contato com a parede e forçou-o a manter-se inteiro, os ossos no interior do braço pareciam capazes de se partir em um milhão de fragmentos e o ombro quase deslocou. Porém, mesmo com todo o esforço, a parede nem sequer rachou.
Contorceu o rosto em uma careta e recuou a mão alguns centímetros, pronta para outra tentativa. Dessa vez funcionaria! Cerrou a mandíbula, mas então soltou a respiração e balançou a cabeça. Não daria certo, sua utilidade era limitada, ela era limitada. E na situação em que se encontravam, era inútil.
— Não sei se fico assustada ou impressionada. — Bárbara aproximou-se. — Tu não fazia nada disso antes.
— Pouco serve se não consigo sequer derrubar uma parede — respondeu Dominique enquanto desfazia as alterações no corpo.
— Eu poderia dizer que tenho pena dos predadores que encontrarmos daqui em diante, mas a verdade é que não tenho. — A jovem olhou na direção da porta. — Acho que só nos resta seguir adiante.
Dominique meneou com a cabeça e acompanhou Bárbara até o salão das escadas. Entrando nele, as duas pararam e observaram as inúmeras opções que tinham. Agora que estavam dentro, era possível enxergar que toda ramificação acabava em uma porta.
— Agora complicou — comentou Bárbara.
— Não deve ser tão diferente — Dominique passou os olhos nas diversas saídas. — É escolher uma porta e ir até ela.
— Sim, mas qual? A gente estava escolhendo qualquer porta antes, mas não acho que dê para fazer o mesmo para sempre.
Dominique fitou a porta no nível mais alto.
— Em histórias, o vilão está sempre no último andar, acho que devemos ir para aquela lá.
Bárbara olhou-a boquiaberta.
— Sério? Histórias? Estamos tentando fazer algo sério aqui.
— Eu estou falando sério. — Olhou a mulher mais nova. — Os outros territórios funcionavam com uma lógica, estou pensando que pode ser essa a lógica desse lugar: ir sempre o mais longe ou alto possível. Nicolas pensaria algo parecido.
— Do jeito que esses lugares são malucos é capaz de ser isso mesmo. — Bárbara estalou a língua. — E se o oposto também funcionar? Em prédios a saída é sempre para baixo.
— Se sairmos não eliminamos o originador. E os outros dois…
— Podem continuar presos, entendi. Vamos ao topo, então. Seja lá o que nos espera.
Dominique liderou o caminho, já tendo verificado quais ramificações pegar se quisesse chegar ao topo. Mesmo assim, o trajeto era desorientador: curvas que tinha que tomar às vezes apareciam cedo demais comparado ao que esperava, já em outros casos, ficava pensando qual lado seguir até notar que estava no caminho correto há uns bons segundos.
Cada opção que deixavam para trás lhe trazia um aperto no peito, uma incerteza. Aquela rota descartada poderia levá-las até os outros. Como saberiam qual porta era a correta? Como saberiam aonde chegar? Mais de uma vez, viu-se parando nas bifurcações e hesitando em continuar até o topo. Nunca pensou que apenas caminhar seria um teste de sua fortitude mental.
A presença de Bárbara, no entanto, a impelia adiante. Explicara seu raciocínio, ainda que estranho, para a jovem e a convencera de que era o correto. Mostrar insegurança seria prejudicial e levantaria dúvidas. Era assim que Nicolas se sentia? Era esse o fardo dos líderes, manter uma fachada de competência até que chegassem ao resultado esperado?
Quando enfim estavam no topo, Dominique abriu a porta. Ouviu um som rudimentar, como o arrastar de pedras e virou-se. Bárbara, felizmente, estava com ela. A mudança ocorreu no restante do caminho, com todas as ramificações desaparecendo, sobrando apenas uma escadaria reta que levava do início do salão até onde estavam.
— Estou pensando que vai ser impossível reencontrar Fernando e Nicolas no território — disse Bárbara, também observando as mudanças. — Tudo que fica para trás desaparece.
— Vamos encontrá-los em algum momento.
— Como tem certeza?
— Eles não são de ficar para trás, devem estar avançando mais que a gente nesse exato momento.
Bárbara assentiu, e as duas atravessaram a porta. Bastou colocarem os pés no cômodo seguinte e tiveram o olfato invadido pelo fedor de carne em decomposição e, por mais que tivessem visto muito até ali, a reação das duas foi a mesma: tapar o nariz com a roupa. Só então pararam para notar os detalhes do local em que se encontravam. Era uma sala de estar bem mobiliada, com dois sofás virados para uma televisão onde um sistema home theater estava instalado. Havia duas janelas grandes na sala, cobertas por cortinas creme e um tapete no chão em frente aos sofás.
Assim que os olhos pousaram no tapete, notaram a origem da podridão. Ali no chão, caído de forma desajeitada, estava um corpo humano. Era uma daquelas cenas que atraíam o olhar ao mesmo tempo em que o afastavam, um misto entre a curiosidade e a repulsa. O corpo era muito magro. A camisa branca e calça jeans estavam sujas, mas inteiras. Por baixo das vestes, a pele se descolava dos ossos e uma massa indefinida e podre escorria, tudo se desfazendo a cada segundo que passava. Bárbara se afastou, indo em direção ao outro lado da sala.
Já Dominique foi atraída para um movimento, uma silhueta humana levantando-se de trás de um dos sofás. Alívio quase manifestou-se nela antes de notar que a pessoa, o homem do outro lado, estava armado. Era capaz de modificar seu corpo para resistir a balas? Sempre se perguntou isso, mas nunca conseguiu testar, nem sequer queria. Antes mesmo que conseguisse criar uma espécie de exoesqueleto ou camada de gordura, Bárbara moveu-se, ficando na linha de tiro entre o homem e Dominique.
Os estampidos rugiram na sala pequena e previamente tomada pelo silêncio fúnebre. O primeiro tiro acertou Bárbara em cheio, criando rachaduras em suas mãos e pescoço, iluminando as asas nas costas da jaqueta com um vermelho sangue. Os três tiros seguintes não pareceram tão eficazes, e nos dois últimos o agressor foi incapaz de conter o recuo, acertando mais o teto do que a motoqueira. Ao final, a jaqueta de Bárbara rugia, as asas da estampa se alongando pelas costas inteiras.
O homem gritou e começou a recarregar. Dominique não perdeu tempo, contornou a companheira e avançou contra o atirador, arrancando quase sem esforço a espingarda de suas mãos e jogando-a em um canto distante. Desarmado, aquele homem era pequeno e inofensivo para as duas.
— Monstros! Aberrações! — O atirador recuou um passo e caiu sentado, proferindo as palavras com um misto de fúria e medo estampados em seu rosto.
Se Nicolas estivesse ali, aproveitaria o momento para interrogá-lo. Tiraria o máximo de informações antes de decidir o que fazer com ele. Por qual pergunta deveria começar? Qual era a mais útil?
Enquanto ponderava, o homem levou a mão às costas e puxou outra arma, um revólver, dessa vez. Tão próximo assim, não seria uma ameaça. Porém, enquanto Dominique se movia para desarmá-lo, não foi nela que o agressor mirou, e sim nele mesmo. Puxou o gatilho com um sorriso trêmulo no rosto. Pedaços de cérebro se espalharam pelo chão, sangue pingou nas cortinas e começou a encharcar o piso. Mais uma vez o silêncio tomava a sala.
— Filho da puta covarde — disse Bárbara atrás de si. — Bastou ficar encurralado para se matar.
Dominique se virou. Não conseguia manter o foco naquela cena. Só então teve uma visão de como estava a situação da outra. Fendas por todo o corpo, indo desde as mãos até o rosto, passando inclusive por um dos olhos, como se tivesse saído de um confronto com um predador.
— Desculpe. — Dominique baixou os olhos. Vendo a parceira naquele estado, entendia porque o homem se espantara tanto. — Eu devia ter segurado ele.
Bárbara fez uma careta e disse:
— Não, eu teria matado o desgraçado se ele não tivesse feito isso antes.
Foi então que o odor pútrido inundou novamente a sala, mais intenso e enjoativo. Bárbara olhou na direção do suicida e arregalou os olhos. Dominique se virou e fez o mesmo. Não faziam mais que alguns segundos desde que morrera, mas, de alguma forma, dias de decomposição já o afetavam. Língua e olhos inchados, saindo para fora do corpo como se fossem protuberâncias, pele enegrecida, cadáver deformado e inchado.
Matar e morrer pareciam tarefas fáceis comparadas a encarar o processo de decomposição tão de perto, tão rápido. Era um vislumbre do futuro que viria para todos, um do qual não se tinha escapatória.
Dominique sentiu a mão de Bárbara tocar em seu ombro e em seguida apontar para o peito do cadáver, bem na direção do símbolo dos cultistas da justiça. Claro, o objetivo era conseguir informações com aquela gente. E Dominique perdeu uma ótima oportunidade de cumpri-lo.
Virou-se para a colega e assentiu. Não havia nada a dizer, e qualquer palavra inundaria a língua com a podridão. Em silêncio, as duas rumaram até a porta mais distante dos corpos, abriram-na, e seguiram para a sala seguinte.
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