- Guilherme Lopes Lacerda
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Predadores: A Obsessão - Capítulo 37
Fernando e Nicolas fazem sua exploração do território do apartamento
No capítulo anterior de Predadores: A Obsessão, Bárbara e Dominique passaram por cômodos confusos e sem sentido, chegando enfim a uma sala de estar onde havia outro humano. Após um conflito que terminou na morte dessa pessoa, as duas mulheres viram o corpo apodrecer em questão de segundos.
Agora, Fernando e Nicolas fazem sua parte da exploração, adentrando salas de aula e outros locais pertencentes ao passado.

Certas coisas pertenciam ao passado e quando vistas em pleno funcionamento em épocas atuais provocavam uma sensação de estranhamento. Isso ainda existe? Ainda funciona? Televisores CRT, fitas cassetes, disquetes e mouses de esfera eram exemplos dessas antiguidades. Porém, quando Fernando e Nicolas adentraram aquela lan house após passarem por inúmeras salas, não foi o estranhamento que reinou, foi uma simples sensação de nostalgia e adequação.
O espaço não era grande. Resumia-se a um balcão com seis baias, cada uma contendo um gabinete, monitor, mouse, teclado e um fone de ouvido barato. Do lado oposto ao balcão, havia uma mesa pequena com somente um computador. O espaço para a cadeira e o monitor ficavam virados para a parede, facilitando a fiscalização do uso dos demais equipamentos. Havia três portas nesse lugar, uma de saída da lan house, e duas que pareciam levar a banheiros. Isso claro, se seguissem a lógica comum.
Os computadores dos clientes estavam todos ligados e mostrando na tela a mesma imagem: um jogo antigo com uma perspectiva top-down, aquela visão de cima do personagem, e ao redor havia um campo verde com eventuais pedras e árvores. Nada de som.
— Nossa! Faz um bom tempo desde que vi alguém jogando Tíbia — disse Fernando, apertando as setas direcionais de um teclado e fazendo o personagem se mover.
Nicolas passou caminhando em frente às demais baias.
— Talvez terminar o jogo nos ajude a sair do território?
Fernando segurou um riso.
— Boa sorte nisso, até onde lembro o jogo é quase infinito. Nunca ouviu falar? Era bem famoso na época.
— Lembro vagamente, não me interesso por jogos.
E pelo que tu se interessa? Essa era uma pergunta que surgia muitas vezes, mas nunca era mencionada porque a resposta seria algo no sentido de “Eliminar predadores”.
— Bem, hoje também não sou muito de jogo, mas todo mundo teve infância. — Olhou para a tela e em seguida para Nicolas. — Ou vai dizer que não teve?
— Eu tive. Foi normal. Nada que importe.
O parceiro passou novamente pelas baias, tentando fechar o programa de diversas formas. Enquanto isso, Fernando segurou a seta para cima e deixou o personagem seguir naquela direção. A movimentação era lentíssima. Sempre fora assim? Após Nicolas passar por cada um dos computadores, Fernando também tentou fechar o programa. O resultado foi o mesmo.
— Devem ser apenas distrações — disse Nicolas, virando-se em direção a uma das portas e caminhando até ela com Fernando logo atrás.
Entraram em outro lugar diferente, uma sala de aula. Antes eram só banheiros, quartos, sala de estar e todo tipo de cômodo que se encontra em uma casa. Um possível sinal de progresso?
As mesas e cadeiras do local estavam espalhadas uniformemente em algumas áreas e bagunçadas em outras. Os móveis possuíam um aspecto degradado e cheios de rabiscos, seja em caneta ou esculpidos na madeira por alguém com um estilete ou compasso. O quadro-negro na frente mostrava vários desenhos com as mais variadas cores de giz. Não foi surpreendente encontrar um pênis com capa de super-herói em um canto.
— Pensando bem, acho que sabemos muito pouco sobre o grupo, não? — perguntou Fernando.
— Como assim? — Nicolas nem olhou para ele, seu foco estava nas portas dispostas pelas paredes da sala, que eram quase vinte.
— Algumas coisas… Não sei sobre Dominique ou porque ela está com a gente, sei pouco de Bárbara, nada sobre ti.
— Não tem nada para saber sobre mim. — O líder encarou-o. — E não acho que saber esse tipo de coisa vai nos ajudar a sair daqui.
— É, mas poxa, nos encontramos só para arriscar a vida e matar monstros. Saber uns sobre os outros pode não nos ajudar com os predadores, mas seria um estímulo para o grupo se juntar mais vezes.
— E por que você nunca tocou nesse assunto antes? Por que esperou para falar só hoje? — Com essas palavras, Nicolas caminhou em direção a uma das portas.
Para alguém que parecia não ter sentimentos, o desgraçado sabia onde atingir. E de certa forma tinha razão. Fernando não tinha a resposta para aquelas perguntas. Poderia botar a culpa na sua rotina, nas suas preocupações, em qualquer coisa, na verdade. Ele queria apenas mudar a situação, e quase conseguiu uma vez quando levou lanches para todos e tiveram um momento divertido, de conexão. Queria transformar aquele grupo em algo além de uma forma de fugir dos seus problemas. Estava tentando reatar com sua família, e obtendo sucesso nisso. Mais coisas na sua vida importavam, e se iria se arriscar com o grupo, queria conhecer mais deles, considerá-los amigos. Não queria chegar e fazer o de sempre, como se fosse um trabalho mal pago.
Entraram em uma sala de estar e, qualquer que fosse o conteúdo dela, foi ignorado diante dos dois corpos esqueléticos no chão. Próximo a um dos cadáveres havia um revólver e manchas de sangue secas pelo que parecia ser muito tempo. Por um momento, Fernando preocupou-se que seriam Bárbara e Dominique, mas uma análise com calma do que restava das roupas revelou que eram outras pessoas.
Nicolas se agachou próximo ao morto do lado da arma.
— São do culto. Os dois têm o símbolo na roupa, ainda que esteja bem degradado.
Fernando chegou perto, notando que o cadáver tinha um ferimento que entrava em um lado da cabeça e abria um rombo no outro.
— Foram mortos por um predador? — perguntou Fernando.
— Provavelmente não.
— Provavelmente?
— Não vimos nenhum até agora, mesmo passando por inúmeras portas e salas.
— Podem estar se escondendo. Ou o lugar que é muito grande. — Fernando olhou para as portas. — Prova disso é que não encontramos ninguém até agora, sendo que diversos cultistas foram enviados para cá, não é mesmo?
— O objetivo dos predadores é eliminar humanos, se alimentar deles. Quanto mais nos deixarem no território, maior as chances de fugirmos ou aprendermos a lutar. Eu não acho que ficariam esperando.
Nicolas vasculhou os bolsos de cada cadáver. Em um deles não encontrou nada, no outro achou vários papéis amarelados e quebradiços, além de um celular. Assim que ligou a tela, Fernando viu os números das horas e minutos mudando tão rápido que era impossível registrar qual o horário mostrado em tela antes que ele mudasse novamente.
— Cheque seu celular — disse Nicolas, puxando também o seu. — Dias e horas.
Fernando obedeceu, tirando o smartphone do bolso. Há tempos havia desistido de checar informações como horas e a existência de um sinal quando estavam dentro de territórios. As informações costumavam ser imprecisas, mas ao ver em sua tela o mesmo que ocorria no celular do cultista, o coração palpitou com força. Prestou atenção no dia, que mudava menos que as horas, mas, ainda assim, rápido o suficiente. Olhou então o restante da data: fevereiro de 2021. Se acreditassem no registro, mais de 24 meses se passaram desde a entrada deles no território.
— Essa data não faz sentido — disse Fernando, olhando para Nicolas. — Deve ser o território cagando no sistema como sempre.
— Ou não… — O líder encarou Fernando, erguendo o celular do cultista — o que deixou os cadáveres assim não foi nenhum predador, foi simplesmente o tempo passando.
Fernando aproximou o rosto do aparelho do morto, vendo o sistema mostrar uma data diferente e ainda mais avançada: maio de 2068.
— Cara, não tem como isso ser verdade. — Ele guardou seu celular. — As horas nunca funcionaram direito nos territórios.
— Sim, sempre foi errático, ou parava ou avançava sem nexo algum e depois voltava. — Nicolas ergueu-se. — Aqui apenas avança. Temos como confirmar isso esperando anos o suficiente se passarem para notarmos as diferenças em nós mesmos.
— Espera! Se isso for verdade, se esses anos passaram, então nós simplesmente perdemos eles!
— Exato.
Um segundo de silêncio se abateu no local. Ou será que foi um dia? Quanto tempo realmente estava passando? E por que estavam parados?! Precisavam se mover, e rápido.
— Temos que achar as duas e sair daqui! — disse Fernando, tomando a dianteira e seguindo para uma porta qualquer.
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