- Guilherme Lopes Lacerda
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Predadores: A Obsessão - Capítulo 24
O grupo volta ao apartamento de Igor
No último capítulo, Dominique conseguiu atrair o originador para o necrotério. Lá, conseguiram eliminar o predador e dar um fim ao território.
Agora, o grupo volta ao apartamento de Igor e descobrem que ele continua vazio.

Dominique, Fernando e Bárbara saíram do território com milésimos de segundo de diferença entre cada um. Apesar de ter dado a ordem, foi Nicolas quem ficou para trás. Fixou seus olhos no predador, ignorando o território que desabava à sua volta. Demorou quase um minuto para que o originador começasse a se desfazer naquela gosma roxa. Derrotaram-no sem matá-lo. Curioso. Intrigante.
O chão próximo aos pés desabou para o imenso nada que havia fora dos territórios e desconcentrou Nicolas. Seja lá o que fosse essa nova forma de vencer seus inimigos, pensaria melhor nela depois. Voltou ao farol.
Encontrou Dominique e Bárbara ao redor de Fernando, que respirava fundo por ter curado as rachaduras da motoqueira. De todos eles, Fernando tinha as habilidades menos tentadoras. Dava sim uma vantagem enorme ao grupo, mas aguentar a dor cada vez que a usavam era um problema. Poucos dariam sua carne a uma pessoa, ainda mais quando eram nada além de conhecidos.
Após minutos de silêncio, as feridas de Fernando estavam curadas e ele ergueu-se. Mirou Nicolas com olhos cansados.
— Demorou para voltar, achei que tu ia ficar por lá — disse o padeiro.
— Queria garantir que ele estava mesmo derrotado — respondeu Nicolas. — Foi uma resolução incomum.
— Foi?
— Que importa se foi incomum ou não? Não vimos Igor em lugar algum naquele maldito território! — interrompeu Bárbara. Ela se aproximou de Nicolas com a cara fechada. — Tu disse que ele estaria por lá!
— Disse que ele foi levado para lá — respondeu Nicolas, sustentando o olhar da outra.
— Que seja! Não achamos ele no andar de recuperação, nem na maldita lista dos mortos. — Ela cruzou os braços. — Onde caralhos ele tá?
— Calma. — Fernando colocou a mão no ombro de Bárbara e olhou para Nicolas. — As pessoas voltam para o local onde foram raptadas, certo?
— Sim.
— Se voltarmos agora, vou achar ele no apartamento? — perguntou Bárbara. — É isso?
Nicolas assentiu, e Dominique de repente arregalou os olhos. Ela deu um passo na direção de Bárbara, mas manteve-se quieta. Foi o melhor curso de ação, caso contrário passariam mais alguns momentos desnecessários ali.
— Ótimo, eu vou voltar — disse Bárbara.
— Vou junto, talvez precisemos carregar ele — falou Fernando.
A mulher assentiu em concordância e segurou no antebraço do padeiro. Antes que o homem pudesse se despedir, os dois já tinham desaparecido. Deixando apenas Nicolas e Dominique.
— O que acontece se a pessoa morrer no território? — perguntou a idosa.
— Não vai ter corpo nenhum.
— Então… tem a chance de ele não estar lá?
— Sim.
— Não era melhor ter dito algo?
— Talvez. Por que você não disse?
Ela olhou para baixo.
— Porque… eu não sei.
— Se não encontrarem Igor, certamente voltarão até aqui. Fique para ajudá-los, vão precisar.
— Você não vai ficar? — Dominique levantou o rosto.
— Não posso, há outras coisas que preciso fazer.
Ela não disse mais nada, apenas se despediram com um simples aceno de mãos. Nicolas voltou ao seu escritório. Ainda bem que deixou a tarefa de consolar Bárbara nas mãos de Dominique, ela lidaria melhor com a situação. Além do mais, cedo ou tarde teriam que se acostumar com a morte de pessoas próximas. Talvez o falecimento de Igor até servisse como um agradável combustível, catalisando em Bárbara uma determinação e obsessão que ele próprio não era capaz de forçar na mulher.
Foi para o escritório, sentou-se na cadeira e fechou os olhos. Aquele foi um território diferente, destruíram o local sem matar o originador. O que aprendeu sobre os predadores? Eram capazes de sentir raiva, de mudar seu comportamento conforme a situação, de desistirem de caçar. Não tinha visto nada disso nos territórios anteriores.
A charada tinha uma solução simples: estavam evoluindo rápido. Conseguiram lidar com esse novo, mas e os próximos? O quanto sua complexidade aumentaria? Que comportamento esperar?
Aumentar o tamanho da equipe poderia melhorar as chances de sobrevivência, mas precisaria achar pessoas capazes. Sabia bem qual era o resultado caso recrutasse qualquer um. Pensaria mais nisso depois, primeiro precisava escrever o relatório antes que os detalhes se perdessem. Abriu os olhos, ligou o notebook e começou a tarefa de relatar tudo nos mínimos detalhes.
Enquanto digitava os acontecimentos, sorriu ao lembrar de Bárbara e Dominique, as duas estavam avançando em um ritmo rápido, dominando suas habilidades e refinando-as. Fizera bem em escolhê-las. Fernando ainda não fora capaz de melhorar, mas isso não importava, cumpria com excelência seu papel na equipe.
Terminada a escrita, revisou seu registro e pensou nos próximos passos. Uma evolução rápida o afastava de seu objetivo, então talvez recorresse ao plano B? Arriscado, ainda mais que havia detalhes desconhecidos. Seria capaz de descobrir essas informações investigando aquele culto? Afinal, havia membros dele em um território. Seria simples coincidência?
E claro, havia também um outro assunto. Um problema antigo que teimava em ressurgir, precisaria tratá-lo em breve, mas não sozinho. E duvidava que conseguisse ajuda no dia seguinte, pois estariam todos cansados e dando seguimento em suas vidas. Seria tão mais fácil se simplesmente focassem nos predadores 24 horas por dia, mas cá estava, preso a uma agenda cujo foco era a vida mundana dos integrantes do grupo.
Levantou-se da cadeira e notou o celular piscar com notificações. Desbloqueou-o e notou que eram todas do grupo. Sabia muito bem do que se tratavam as mensagens, e por isso mesmo as ignorou.
***
As luzes estavam acesas no apartamento de Igor, exatamente como deixaram antes de caçar o predador. Bárbara correu até o quarto. Entrou no banheiro, na cozinha, espiou a área de serviço. Nada. Não havia ninguém lá. O fogo que alimentava seu corpo desvaneceu e ela voltou a passos pesados para a sala. Fernando aguardara enquanto ela vasculhava o apartamento.
— Nada. — Bárbara largou o corpo no sofá. — Será que ele foi parar em outro lugar?
Fernando sentou-se do lado dela.
— Ele foi raptado aqui.
— Nicolas pode ter errado, ele não sabe tudo — disse ela, levantando a cabeça de repente. — E se ele ficou no território? Temos que voltar e investigar!
— O lugar foi destruído, não deve ter mais nada lá. — Fernando respirou fundo e baixou o tom de voz. — Se não apareceu aqui e o território se foi, só resta uma possibilidade.
— Não! Não resta! — Bárbara se ergueu de súbito. — Fiz isso para nada, então?
— Não foi para nada, ajudamos outras pessoas.
— Fodam-se as outras pessoas. — Começou a caminhar de um lado a outro. — Eu queria salvar Igor!
Fernando ficou em silêncio. Na cabeça de Bárbara, os pensamentos circulavam em torno da possível morte do amigo. De uma hora para outra, o mundo se tornou injusto, cruel e sádico. Aliás, sempre fora, ela apenas esquecia isso às vezes. Ganhara poderes, derrotara monstruosidades, mas a única coisa que queria fazer mais do que tudo estava fora de seu alcance.
Sentiu o coração apertar no peito, suas entranhas se comprimiram com a possibilidade que se tornava um fato. As pernas endureceram ao mesmo tempo em que o joelho ameaçava falhar, cada inspiração arranhava sua garganta e cada expiração enrijecia seus dedos em um punho.
Quando notou, estava de frente para a porta de entrada do apartamento. Chutou a madeira com força, esperando que a dor física eliminasse as demais, mas tudo que sentiu foi uma dormência na perna. Chutou de novo e amaldiçoou sua demora em agir. Chutou de novo e amaldiçoou os predadores. Chutou de novo e odiou tudo. Chutou de novo e odiou principalmente a si mesma. Chutou mais e mais, entre berros e gritos. A madeira era grossa e forte, tremia, reverberando a cada pancada, mas não cedia. Como queria que tudo que sentia vazasse através da violência e destruísse os arredores, porém quanto mais batia, mais doía. Era uma dor inacabável, ameaçando assombrá-la em cada momento de sua vida.
Só parou quando Fernando a puxou por trás para longe da porta.
— Tem gente do outro lado! Já deu!
Ela piscou e se viu de volta no farol. Dominique parecia aguardá-la, como se já soubesse de tudo que encontrara no apartamento. Sem dizer uma palavra, a idosa abraçou-a. Sua visão se borrou com as lágrimas, a tensão nos ombros cedeu e Bárbara não quis chutar mais nada, queria apenas chorar.
E foi isso que fez enquanto estava agarrada a Dominique. Seu mundo inteiro se desfazendo em lágrimas e lamentos.
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