Predadores: A Obsessão - Capítulo 27

Fernando se reúne com a família

No último capítulo, Fernando decidiu reatar com a família, e começou ligando para um de seus irmãos.

Agora, além de convencer o irmão de sua boa vontade, precisará dar um jeito de se entender com o restante dos membros.

Desenho monocromático. O desenho mostra uma sala de estar com um sofá de três lugares, duas cadeiras de praia. À frente do sofá está uma estante com televisão e porta-retratos com múltiplas pessoas. Na parede ao lado do móvel há um porta medalhas cheio de medalhas. No canto inferior direito há o número vinte e sete para indicar o capítulo.

Tuuut. Tuuut. Tuuut.

Estava chamando demais. Certo que Gilson não atenderia, afinal, Fernando ligou do nada. Quem é que faz isso com os outros? Talvez fosse uma ideia idiota mesmo. Capaz do irmão mandá-lo se foder assim que atendesse. Era melhor desligar logo.

Antes que afastasse o celular do rosto, Gilson atendeu a ligação.

— Oi… — disse Fernando.

— Oi. — A resposta foi seca, sem nenhum traço de emoção.

— Está tudo bem?

— Eu que te pergunto. — Era irritação? — Que bicho te mordeu para me ligar?

Talvez fosse melhor encerrar ali? Não, tinha ido longe, faltava pouco. Forçou as próximas palavras.

— Eu queria me encontrar contigo e o resto da família.

Silêncio. Fernando até checou para ver se a chamada caíra ou se Gilson desligara.

— Quer se encontrar para…?

— Queria pedir desculpas para todo mundo.

— Bom, é só ligar para cada um, não? — Parecia que estava perdendo o irmão aos poucos.

— É melhor falar com todos juntos, olhar olho no olho, sabe? Pelo celular é meio frio.

— Combinaria contigo. — Tudo bem, mereceu essa. — Seria mais fácil ligar para a mãe e pedir para ela organizar tudo, mas tu está com medo de falar com ela.

— Eu só não sei o que dizer ainda.

— Tu deveria saber isso faz tempo! — Gilson suspirou. — Olha, eu vou tentar, mas já adianto que o Henrique está puto contigo.

— E a mãe? — Se ela estivesse igual, uma reconciliação seria impossível.

— Tu conhece ela. Está mais triste que braba. — Antes que Fernando pudesse dizer mais algo, Gilson continuou. — Preciso desligar, vou dar uma saída agora.

— Na segunda? — perguntou, já sabendo muito bem o tipo de saída que o irmão festeiro dava.

— Fazer o quê? Me convidaram.

Após despedirem-se um do outro, Fernando sentou-se na cama e apoiou a testa nas mãos. Os dedos tremiam de leve, e ele pensava em diversos resultados negativos a partir dali. Se tudo desse errado, pelo menos seguiu em frente, fez algum progresso.

Para sua alegria e ansiedade, teve uma resposta de Gilson no dia seguinte. Por mensagem, o irmão disse que conseguiu reunir todos para o domingo. Não perguntou se Fernando conseguiria ir ou se tinha compromissos, mandou aparecer vivo ou morto.

Seguiu-se uma semana longa, muito mais do que tinha o direito de ser. E na noite de sábado foi impossível dormir, mesmo com o cansaço acumulado dos últimos dias. Não ajudou que seus sonhos eram pesadelos com o encontro, com resultados ridículos e impossivelmente péssimos, o pior sendo um em que Fernando tropeçava ao tentar cumprimentar Henrique, levando os dois ao chão e terminando com uma fratura nas costelas do irmão. Ele então era acusado de ter se reunido com a família apenas para destruí-los. Era um cenário sem noção, mas que o fez acordar no meio da madrugada.

Arrumou-se como um raio ao levantar-se no domingo, ficando pronto uma hora antes de terem que sair, antes mesmo até de Gabriel levantar-se da cama. Quando bateu o horário, os dois subiram na moto e foram até a casa de Gilson.

Fernando nunca tinha ido lá antes, não sabia se era comprada ou alugada, mas suspeitava da segunda opção, o irmão não gostava de ficar muito tempo no mesmo lugar. Havia um pequeno espaço com grama na frente da casa e na parte da esquerda uma garagem coberta sem carro, tudo protegido por uma grade de metal. Mandou uma mensagem assim que chegou e, alguns segundos depois, Gilson saiu da casa pela porta na frente, usando uma camiseta do Grêmio e uma cara de poucos amigos.

— Está tudo certo? — perguntou Fernando, assim o portão da garagem abriu.

— Sim, tudo, só ficou um climão quando falei para o Henrique da sua chegada. — Gilson estendeu a mão.

Fernando a apertou, sentindo a pele dura do irmão.

— Eu dei uma amaciada nele — continuou Gilson. — Então talvez te ouça.

— Sério? Obrigado.

— Não precisa agradecer. Eu acho que todo mundo passa por uma fase que tem merda na cabeça, a tua talvez tenha durado demais. — Ele semicerrou os olhos e franziu o cenho. — E pode não ter passado ainda, vou ficar de olho.

O cumprimento terminou de forma menos amigável do que começou. Gilson, porém, logo sorriu e estendeu a mão para Gabriel.

— Eu devia te dar um prêmio por aturar esse teimoso — disse o irmão.

Gabriel riu e o cumprimentou.

— Teimoso é pouco.

— Vamos entrando, senão daqui a pouco a mãe vai sair correndo pela porta.

Caminharam para o interior da casa e o medo de encontrar a família inteira veio à tona mais uma vez, cada passo era um esforço enorme, e apenas se manter no lugar exigia vencer a vontade de fugir. Não era um medo pela sobrevivência, igual sentia ao enfrentar os predadores, era um medo pelo futuro, pelo que poderia resultar de suas ações e palavras. Se a tentativa de reconciliação falhasse, viveria o resto da vida colhendo os frutos de péssimas decisões. Estava indo a um tribunal para ser julgado. Sua família atuaria como juiz e promotor, Fernando seria o réu e advogado.

Entrou na sala com o coração ora parando, ora acelerando tanto que quase explodia no peito. Ele divagava, imaginando diversos cenários para aquela entrada. Deveria acreditar nos piores cenários e não criar expectativas? Ou abraçar a esperança e olhar com confiança para o horizonte de sua vida? Antes que escolhesse, se deparou com uma nova tarefa monumental: dar oi para sua mãe.

Logo que o cumprimento estava saindo, Júlia o abraçou. Ela era da mesma altura que Fernando, o abraço foi apertado de um jeito familiar e carinhoso.

— Senti tanta saudade — disse ela.

Antes que pudesse raciocinar, retribuiu o abraço. Fernando também sentira, e sentia, muita saudade. Terminado o abraço, Júlia o olhou de cima a baixo, com a visão analítica que só os pais têm.

— Está mais magro, Fê.

— Não estou mais indo na academia — disse ele. — Mas tu está ótima.

— Quem me dera, ando com uma dor nas costas… Rique, não vai dar oi para seu irmão?

Olhou para o irmão mais velho, que estava alguns passos atrás da mãe. Henrique apenas acenou, e Fernando achou melhor fazer o mesmo. Não queria sair fingindo que estava tudo ótimo, ainda mais com a óbvia expressão de mal humor na cara do irmão.

Começou a absorver os arredores. A sala de estar tinha um sofá de três lugares, ao lado esquerdo do móvel haviam duas cadeiras de praia que Gilson ajeitara para ele e Gabriel. Na parede oposta ao sofá estava um rack com uma televisão em cima, o aparelho estava ligado e mostrava, no mudo, a programação de domingo. Fotos da família dividiam o espaço com o aparelho e, à esquerda do móvel, a parede era adornada por medalhas e troféus da época em que o irmão jogava pelo time da escola.

— Pode sentar nas cadeiras que elas não mordem — disse Gilson.

Obedeceu e pensou em como começar uma conversa. Nada do que planejara parecia ser o ideal. Alguém fez uma pergunta, e Fernando, absorto em pensamentos, não ouviu direito. Felizmente, Gabriel respondeu por ele:

— Estamos morando no Leopoldina agora.

Iniciou-se um vai e vêm de perguntas e respostas dos dois lados. Com Gabriel agindo quase como um porta-voz e lidando com as primeiras perguntas até Fernando se recompor e juntar-se oficialmente à conversa. Falaram sobre a mais nova ficante de Gilson, brincaram sobre o pintor com medo de altura que Júlia contratou para trabalhar na casa deles, e sobre as obras paradas da prefeitura. Estava gostoso, Fernando ficaria o dia inteiro nesse ritmo, sem tocar no assunto que precisava. O balde de água fria foi jogado por Henrique com uma pergunta que cortou a conversa de todos ao meio:

— Por que veio visitar?

Como se já estivesse esperando essa pergunta, Júlia rebateu:

— Fernando não precisa de motivos para vir visitar.

— Precisa, sim! — Henrique fitou a mãe e depois Fernando, os olhos dele dilaceravam a atmosfera agradável e penetravam fundo, escavando qualquer intenção que encontrassem. — Ninguém volta a falar com a família depois de três anos se escondendo.

— Eu andei sonhando com o pai — disse Fernando. Era uma mentira, mas muito mais crível que a realidade. — Achei melhor deixar algumas coisas de lado e ver vocês.

— Só isso? — Henrique ainda mantinha a cara fechada.

— Sim. — Não, não era só isso, mas o verdadeiro motivo não podia ser revelado. — Por isso… — Olhou para todos na sala — peço desculpas por tudo que fiz.

— Essas desculpas aí estão alguns anos atrasadas — disse Henrique, com indignação na voz.

— Para, Henrique! — interveio Gilson. — Depois que o Fê saiu de casa tu incomodava o pai todo dia para voltar a falar com o guri.

— Aquilo foi diferente — respondeu o mais velho.

— Como que foi diferente? O Fê queria ir para a faculdade, o pai queria que ele só herdasse a padaria e fez tanta birra com isso que praticamente mandou o filho embora da casa.

— Mas agora quem deveria ouvir essas desculpas é o pai! — disse Henrique, a voz não ficava mais alta, mas, de alguma maneira, tomava corpo e dominava a sala. Nesse sentido, era muito parecida com Cleber.

— Considerando que a morte dele é a causa de tudo, eu acho que não vai ter como ele ouvir desculpas.

— Chega! — Júlia se meteu na discussão. — Não importa quem começou ou quem tem que aceitar as desculpas. Fê veio até aqui e é errado enxotar ele. — A mãe olhou para o caçula. — Fico feliz que esteja aqui, para mim isso já basta.

A partir dali, o clima amenizou. Conversaram o resto da manhã, assistiram um pouco de televisão e depois comeram o suflê de chuchu que Júlia preparou. Tinha muito cara de velhos tempos, mas Cleber não estava lá para preencher o buraco na família.

Após o almoço e um rápido café para energizar, Fernando e Gabriel se despediram e voltaram para casa.

— Tu não falou da padaria — comentou Gabriel, logo que chegaram.

— Melhor não jogar essa bomba agora, ia só dificultar. — Fernando suspirou.

Gabriel sorriu e deu um tapinha amigável nas costas do namorado.

— Tudo bem, fico feliz de já termos feito algo diferente. E mais feliz ainda por tu ter feito isso.

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