- Guilherme Lopes Lacerda
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Predadores: A Obsessão - Capítulo 7
O grupo é anunciado como inimigo no território do metrô e precisa escapar dos predadores e da ferrugem
No sexto capítulo o grupo adentrou o metrô para realizar uma exploração mais aprofundada. Pouco depois de entrarem foram atacados por diversos predadores, mas com as habilidades de Dominique e Bárbara rechaçaram os inimigos. Quando pensavam estar em segurança, uma voz os anunciou como inimigos.

— Corram! — gritou Nicolas.
Obedeceram. Bárbara viu pelo canto do olho a ferrugem avançando junto com eles, espalhando-se pelo vagão como um vírus. Mantiveram-se à frente da infecção e das criaturas durante preciosos segundos, até acreditou que conseguiriam escapar, porém a ferrugem ganhou velocidade, preenchendo o local como a água de um tsunami.
Duas fendas abriram-se em paredes opostas à frente do grupo. Dominique acelerou e acertou a criatura que saía da fenda na esquerda com uma ombrada, dobrando o corpo dela em um ângulo que espinha alguma era capaz de suportar. No lado direito, uma corda surgiu e puxou o enferrujado para cima, limpando mais uma vez o caminho deles. Esse, porém, foi só o começo.
Conforme avançavam, mais e mais aberturas apareciam no vagão e, por mais rápida que fosse a reação de Dominique, eram muitas para uma só pessoa. Nicolas também tinha seu limite e a cada enforcado ele titubeava. Para piorar, as criaturas se enraiveceram, atacando ao mesmo tempo em que saíam das fendas. Apareceram criaturas cujo braço se deformava em um estranho chicote de carne, com ossos despontando como espinhos. Em outros, o antebraço era apenas um osso fino curvado, lembrando uma espécie de espada.
A situação se agravou quando as fissuras se abriram ao mesmo tempo à frente e ao lado do grupo. Na primeira vez que isso ocorreu, um enferrujado pegou Bárbara de surpresa e acertou seu rosto com unhas que pareciam garras. O golpe deslizou pela pele como se fosse feita de metal, mas a dor veio tão grande quanto poderia ser. Desacelerou por apenas um momento, mas foi o suficiente para que caíssem nela como abutres atrás de carniça.
Mãos agarraram seu tornozelo, chicotes se enrolaram em seus braços, enferrujados surgiram pelo lado para arranhar, tentando puxar seus membros até arrancá-los, e mais um bando deles caiu de uma fenda no teto. Ela tentou dar um passo em frente, mas o peso de tudo aquilo a fez desabar. Sentiu a infecção espalhando-se no corpo, queimando tanto quanto os ataques que recebia. Não conseguia nem ver Fernando e Nicolas, que já deviam estar longe, correndo por suas vidas. Rangeu os dentes e gritou como um animal encurralado que não desistiria de lutar. A visão tornou-se um borrão vermelho enquanto apoiava as mãos no chão metálico e forçava o corpo a se levantar. Mesmo com todo aquele peso e a agressão, ficou de joelhos e logo estava se erguendo. Sairia dali, não importava que estivesse sozinha lutando contra uma multidão, nunca se entregaria.
— Aguente mais um pouco — gritou Dominique.
O peso em si diminuiu e o caminho foi limpo aos poucos. A dor ainda estava lá, mas era apenas um eco do sofrimento que passou segundos atrás. A vermelhidão diminuiu e conseguiu visualizar os arredores. Um enxame de corpos jazia pendurado no teto, as pernas balançando em um ritmo lento, todos desaparecendo aos poucos. Encontrou Dominique à sua frente, oferecendo uma mão de apoio. Logo atrás dela estava Fernando mantendo Nicolas em pé. O insensível líder estava com os olhos injetados e aliviava o aperto no pescoço. Uma fenda se abriu ao lado de Dominique e uma corda imediatamente armou-se contra a criatura, arrastando-a para longe da idosa.
Nicolas levantou uma mão com três dedos erguidos, baixando um deles após um momento. Baixou o segundo e Bárbara se preparou para correr, notando que sua pele estava repleta de rachaduras vermelhas e manchas de ferrugem. Quando baixou o último, ela disparou junto com Dominique. Nicolas vacilou por um momento assim que Fernando o soltou, mas logo estava acompanhando o ritmo do restante deles. Precisavam achar uma saída logo.
Atravessaram três vagões na correria desesperada até desembocarem em um que continha as portas de desembarque. Bárbara não precisou de ordem alguma de Nicolas, fugiria por aquela saída nem que todos discordassem. Conforme o grupo avançava, um rangido metálico ecoou pelo metrô inteiro. O chão oscilou e a parede da esquerda, onde estava sua salvação, dobrou-se. Metal e vidro se contorceram enquanto o lado esquerdo do vagão era amassado por forças invisíveis. A rota de fuga desapareceu diante dos olhos de todos em menos de um segundo e tiveram que manter-se abaixados por conta da diferença de altura entre um lado e outro do carro.
— Temos que continuar! — gritou Nicolas.
O grupo se moveu, mas Bárbara parou na frente de onde estava a porta, agora inutilizável. Deveria ser a saída deles, a fuga para um lugar seguro. Por quantos vagões mais teriam que correr? Quando cairiam por um vacilo qualquer e seriam dizimados? Seu corpo moveu-se antes que o raciocínio se completasse e Bárbara acertou a parede distorcida com o ombro. Uma dor aguda percorreu o corpo conforme ela atingia o metal. Recuou três passos e uma mão segurou seu cotovelo.
— O que está fazendo? — disse Fernando.
Ela respirou fundo. Um dos enferrujados surgiu próximo deles e foi mandado longe por um chute de Dominique.
— Precisamos fugir! — disse Bárbara. — Essa é nossa saída.
Desvencilhou-se do homem e avançou novamente contra a lateral do vagão. Seu ombro ardeu e ela viu rachaduras surgindo próximas ao pescoço. Não queria nem saber como estava por baixo da jaqueta. Abriria aquela porcaria nem que destruísse seus ossos no processo.
Ela se atirou contra a parede de novo e de novo. Ninguém mais tentou pará-la, pois era isso ou lidar com as criaturas. A dor vinha em ondas cada vez mais intensas e a expressão dar murro em ponta de faca pareceu aplicar-se perfeitamente à situação. Nicolas e Dominique mantiveram o terreno livre apesar da quantidade cada vez maior de inimigos. Eventualmente Bárbara parou de se preocupar com eles, parou de sentir dor e parou de contar quantas vezes já tinha tentado. Ficou sem forças, seu corpo tão fragmentado que parecia capaz de desfazer-se a qualquer momento, e mesmo assim tentou uma última vez. Sentiu o coração bater mais forte, deu um berro e atirou-se contra o metal. Nicolas gritou algo. Bárbara sentiu como se pudesse destruir tudo à sua volta, reduzir tudo a menos que cinzas, liberar todos os sentimentos que rondavam seu coração. Se fizesse isso, no entanto, não sabia o que aconteceria a si. Se conteve apenas o suficiente para deixar vazar somente um pouco de tudo que habitava sua alma, o ombro atingiu a parede, sua raiva vazou e estourou.
Quando a visão voltou, e nem percebeu antes que a perdera, metade do vagão estava arruinado. Bárbara estava em uma ilha de metal no meio da completa escuridão que havia fora do metrô. As rachaduras na pele mudaram do carmesim para um vermelho esbranquiçado e seus braços e pernas tornaram-se pesados demais. Olhou para onde antes estavam a parede e porta, vendo somente o negrume do nada. Todo o esforço, toda a dor, todo o tempo foi em vão: a saída que criou não os levaria de volta para a segurança, pelo contrário, olhar para ela causava arrepios. Atrás de si a visão era a mesma, o vagão estava dividido em dois. As fendas pararam de surgir e as criaturas não ousavam chegar perto do buraco.
À sua esquerda, depois de muitos metros de nada, estava o restante do grupo. Nicolas e Dominique trocaram breves palavras, e então a senhora tomou distância, correu para o abismo e pulou. Não foi o mais gracioso ou elegante dos saltos, mas a permitiu aterrissar na ilha de metal junto com Bárbara. De perto era possível notar como a ferrugem tomava quase metade do corpo da idosa.
— Está tudo bem? Não está doendo? — perguntou Bárbara.
— Menina, você brilhou como uma fogueira e então explodiu. Essa pergunta é minha. — E, antes que Bárbara pudesse falar algo, continuou:
— Nicolas disse que precisamos nos apressar, sem muito tempo para descanso.
— Claro que disse — falou Bárbara, com um pouco de irritação.
— Não fique braba, ele está tentando nos manter vivos. — Dominique sorriu. — Agora se segure que vamos saltar.
A idosa tomou-a nos braços e a ergueu. Sem espaço para tomar impulso, flexionou os joelhos e pulou. Foi um momento no ar em que Bárbara agarrou-se ao pescoço de sua carregadora. Aterrissaram na borda do chão e Dominique quase perdeu o equilíbrio, mas Fernando reagiu rápido o suficiente para segurar as duas e puxá-las até a segurança.
— Desculpe, quase que nos fomos dessa vez — disse a idosa, colocando Bárbara no chão.
— Eu que me desculpo, perdemos tempo com minha teimosia. — Bárbara suspirou.
Fernando balançou negativamente a cabeça e disse:
— Não se preocupe com isso, o importante é que estamos vivos.
Dito isso, ele buscou mais pães na mochila e entregou para as duas. Fernando tentou disfarçar o incômodo enquanto comiam, mas era possível ver a agonia causada a cada mordida que davam, além de verem o corpo do rapaz ficando com as manchas laranjas e pequenas fendas pelo corpo.
— Talvez não tenha sido tempo perdido — falou Nicolas, aproximando-se dos três. — Eles pararam de nos atacar.
— Tem razão, por quê? — perguntou Fernando.
Nicolas coçou o queixo.
— Devem estar gastando a energia reparando o estrago. Manter a máquina operando é uma preocupação das criaturas, e acho que do predador original também. É melhor recuperar-se do que continuar atrás dos invasores.
— Não parece muito inteligente.
— Não mesmo, mas predadores são criaturas de instinto e emoção, não de raciocínio e lógica.
Bárbara respirou fundo, ainda estava cansada, mas queria sair logo dali. Trocou um olhar com os homens, então disse:
— E ficar aqui discutindo teoria dos predadores é menos inteligente ainda quando estamos de cara com o perigo. Que tal seguirmos?
Retomaram o avanço, desta vez diminuindo o ritmo para um trote. Ninguém aguentaria tanto tempo correndo. Passaram por quase vinte vagões, todos sem sinal algum de saída. Os primeiros tinham a mesma aparência, isso até chegarem em um diferente dos demais. Era mais largo, os móveis estavam ausentes, a própria estrutura de um metrô tinha se perdido. As superfícies de metal foram trocadas por um vidro transparente, por onde era possível ver diversas engrenagens girando. Algumas eram pequenas, não maior do que um dedo, enquanto outras alcançavam o tamanho de uma pessoa. Elas estavam por tudo, e as criaturas manchadas também.
Bárbara tensionou os músculos e parou, observando os inimigos. Estavam em grupos de quatro ou cinco, e ficavam próximos às paredes, fitando o maquinário. Próximo de cada conjunto de criaturas havia um amontoado de outras engrenagens empilhadas no chão.
— Vamos devagar e em silêncio — sussurrou Nicolas.
Avançaram a passos lentos. Os enferrujados nem olharam para eles. Durante o trajeto viram que o vidro da parede e do chão tinha puxadores e dobradiças. Quando uma das engrenagens saiu do lugar e o funcionamento do maquinário foi afetado, um grupo de criaturas abriu a seção de vidro e substituiu a engrenagem por outra de aparência mais nova e do mesmo tamanho. A engrenagem defeituosa foi para a pilha que ficava próxima ao grupo. No curto tempo que levaram para atravessar o vagão, viram mais peças serem trocadas seguindo o mesmo processo.
Depois de vinte ou trinta vagões, não se importava tanto a ponto de contar, chegaram em um carro curto, com poucos assentos, todos eles estofados e bonitos. No final, havia quatro mulheres em pé ao redor da porta, formando um corredor humano, vestidas com saltos altos, saias apertadas, cabelos lisos e rosto cheio de maquiagem. Depois delas havia uma porta que em nada combinava com a atmosfera. Era feita de madeira clara, com uma maçaneta cromada e uma placa de metal ao nível dos olhos.
— Continuemos — disse Nicolas.
Chegaram perto das mulheres, paradas como estátuas. Agora que estava mais perto, Bárbara notou que, apesar do cabelo e alturas diferentes, todas tinham o mesmo rosto. Deu um passo hesitante para o meio delas, esperando algo terrível, mas nada aconteceu. Deu mais outro e nada, o grupo seguiu com ela e chegaram até a porta. A placa continha algo escrito, mas fora riscado e apagado, tornando-a ilegível.
Sendo a linha de frente do grupo, Bárbara botou a mão na maçaneta e sentiu a garganta entalar e a força sumir. Seja lá o que tinha do outro lado, não deveria ver, não queria ver. Recuou e olhou para Nicolas.
— Não acho uma boa ideia — disse ela.
O rosto do homem estava impassivo e calmo quando respondeu:
— O predador original deve estar ali, não é uma boa ideia, mas é o precisamos fazer.
— Precisamos mesmo? — perguntou Fernando. — Não concordamos em fugir se ficasse perigoso demais?
— Se o deixarmos vivo, mais vítimas surgirão. — Foi Dominique quem respondeu. — É nosso dever.
— Além do mais — Nicolas olhou ao redor —, não vimos nenhuma outra saída até aqui.
O coração de Bárbara acelerou. Não queria abrir a porta, mas então o que fora fazer ali? Dar um passeio pelo metrô amaldiçoado é que não foi. Não sabia bem, queria apenas fugir da rotina, de seu tormento. Foi uma decisão idiota e tomada por impulso, igual a tantas outras que fez ao longo da vida. Mesmo assim, naquele momento, podia fazer algo diferente do que só aceitar as coisas calada, podia lutar contra algo terrível, talvez até vencer. Virou-se, girou a maçaneta e abriu a porta.
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